14 de dezembro de 2009

É claro que era estranho pra mim, eu estava sendo marcada. Não. Acho que nunca houve um estar sendo marcada. Parece que fui marcada no momento exato em que os meus olhos encontraram os teus. Foi de primeira, num baque, entende? Eu não estava preparada. É lógico que eu tomei um susto, por isso estranhei. Eram marcas profundas, tu sabes, tanto quanto as que eu provocara, também de súbito e sem que esperasses. Pouco a pouco, marcávamos uma a outra sem que pudéssemos impedir ou apagar o que fincava rasgava sangrava e brilhava em nossos corpos depois dos primeiros instantes.

Te disse: seu tempo no meu tempo em tempos errados? mas se temos tanto tempo e nos últimos tempos compartilhamos cúmplices os nossos fragmentos, e te disse de verdade isso. Eu queria o tempo para juntá-las, todas essas peças, mas te disse também o quanto tenho medo medo medo de mudanças. você desconfiada você feliz e sorrindo você vermelha e azul ao mesmo tempo dizendo que eu só tinha essas respostas, que eu era o ponto de interrogação no prédio da rua da frente que víamos enquanto ficávamos debruçadas na sacada do teu quarto. como a lua, eu pensei, nós debruçadas ali na sacada como a lua, porque você disse que, quando cheia, a lua vem aqui deixar rastros luminosos pela cama, se esparramando. Talvez tenha sido intencional, mas acreditei, embora eu preferisse o que vinha de dentro sem desconfianças - porque tive muitas quando me dizias para que eu não acreditasse em tudo o que me falavas. Mas fui acreditando.

A verdade é que eu estava por fora, mesmo estando dentro. Me fiz clara? Me fiz clara, me fiz gema, me fiz ovo inteiro. Fiz de tudo com os olhos afastados, esbugalhados, tensos tenebrosos e tementes - a quê? a um deus sem nome, um deus sem maiúsculo, um deus talvez do sentimento mais simples e sublime já sentido em todos os países em todas as praias em todos os casebres montados com madeira ou dentro de um quarto um cubículo um dois por dois metros cúbicos só a cama e o criado-mudo e ali os dois corpos as duas pessoas as várias marcas espalhadas pelo corpo e o sentimento ali ensurdecendo os ouvidos, quase paralizando os músculos, só os olhos esbugalhados e tensos olhando e era clara era gema era ovo era o nascimento também, o sentimento elevando, elevando e o deus em cima regendo, o deus minúsculo da simplicidade e da sublimação.

Você entende o que falo? momentos plásticos? brilhantes feito fotografia nova? A blusinha rosa ao pé da cama, devia ser quase três da manhã de uma daquelas nossas madrugadas e levantastes, acendeste o teu cigarro, contornastes devagar a cama de lençóis limpos e como se os movimentos fossem ensaiados ou como se nenhuma outra pessoa no mundo ficasse melhor nesse exato movimento de tragar o cigarro enquanto as mãos leves ainda se debruçam na sacada, e era madrugada, como eu disse, e estava tudo tão escuro nas ruas e dentro do quarto e em todos os lugares, acho que dessa vez o céu estava feio, cinzento, choroso - pensei nisso mesmo quando o olhei, antes do que fizeste: feio, cinzento, choroso. Mas depois disso não o olhei nesse dia, e tu fostes e depois de tragar o cigarro e colocar as mãos na sacada, tu fostes e te fundistes com as imagens que tenho de mim e que conseqüentemente pensei que tivesses; bem fundo e dentro de mim eu não só pensei que tivesses essas coisas, mas previamente sabia: eu sabia desde sempre. Como se nas minhas marcas houvesse certeza e eu enxergasse também nas tuas marcas algo como confiança, sinceridade, paz nos olhos.

E isso é o que é o mais estranho - ou talvez agora eu pare de dizer estranho e passe a chamá-lo de especial. Vindo do outro mundo? vindo de mundos distintos e distantes e uma só alma? E se for isso: uma só alma? Nunca se sabe. Estou respirando, o que é mais importante. E real. E humano. E vivo. E insistente.

13 de dezembro de 2009

Para além ou Aos Silenciosos



Sobre serem dois seres, ninguém dizia nada. Acreditavam. Ou melhor: Viam com seus próprios olhos. Sabiam todos que eram dois pois se movimentavam distintos pelas ruas trocadas: talvez metades de um mesmo círculo divididas há tempos, em outras vidas, quando ainda eram apenas a idéia do que poderiam ser, mas agora arco, raio, não diâmetro. Eram dois e todos sabiam, pois se eram delimitados e possuíam inclusive fronteiras - que ultrapassavam para sentir que era possível ultrapassar os medos; eram dois, sim, mas confundiam-se tanto por vezes que a mistura era quase homogênea. Etéreos, os dois, atemporais. Momentâneos? Como se o momento fosse tudo - E não é? Um deles dizia, e outro fechava os olhos pensando: encontrei. ou: é isso o que eu quero ou: como pode existir pessoas ligadas dessa forma? eu aqui depois de tanta procura, você depois de tanta espera, nem acreditava mais que alguém fosse chegar e te pegar assim dessa forma, desse jeito, pegar inclusive todas as suas horas e povoá-las de pedaços de mim ainda quando estou longe, e quando eu estou perto de você, eu, você, nós dois e tudo o que criamos te consumindo e a mim também, sabe que também me consome quando. Por um quê a mais, se tornariam um. E sem formas, não mais círculos estrelas corações. Por um traço, um fio, um deslize - pois não era perigo serem um só?, sempre a beira daquilo que não nomeariam - todos também sabiam que, em breve, se os dois ousassem... e confundiriam-se eles próprios em busca de um eu já perdido, um eu do passado e agora o eu presente tão acrescido de significado, de magia, de amor leve e peso de corpo também leve, um mesmo, um outro, dois de um só.
E olharam-se em silêncio. Sorriram depois, envergonhados de serem tão antigos, tão românticos, tão tão tão bregas e ridículos. Então prometeram, sob a lua cheia, um moreno e o outro tão claro, prometeram o amor eterno e ousaram.

9 de dezembro de 2009

Coisas que eu não disse

- São coisas que eu não disse, mas tenho vontade de dizer.
- O quê?
- O que o quê?
- Essas coisas que você não disse, mas tem vontade de dizer. Dizer a mim?
- É, tenho vontade de dizer pra voce.
- Então diz.
- Ah...
Tragou forte o cigarro, previsível. Esvaziou aos poucos os pulmões, previsível também, sempre lenta quando tentava assim colocar as coisas de dentro para fora, tudo um processo, dizia, e agora olhava a fumaça que saía da boca de lábios vermelhos, a fumaça de um cinza escuro quase azulado, leves nuances, diferentes formatos, como formam círculos e laços que se desfazem e se cruzam e ganham vida e decidem por si só os caminhos, pensou reticente.
- Ah, coisas... coisas complicadas, embaçadas, tudo meio lúdico, entende? que respiro contigo, que saio da apnéia, que me diminuo e me sinto esmagada quando não tenho seus braços e traços e cores e aquele cheiro, você sabe como. como se alguma coisa esmagasse minha cabeça e eu ficasse apertada colada junto ao chão e pesando no cérebro as idéias e os pés ou as mãos ou seja lá com o que fosse feita essa minha metamorfose apertando com força ajudando a gravidade, colada ao chão quase chão e terra e lama toda miúda mesmo. eu quase numa viagem ao japão através das terras entrando no planeta tão quente, cada vez mais quente quando se adentra, assim: como se eu me sentisse sufocada e pequena e presa e imóvel quando me afasto de você. Você sabe. Na verdade, são coisas que não disse e que acabei dizendo agora e sempre tive vontade de dizer, embora se eu não dissesse daria no mesmo porque vejo nos seus olhos a mesma coisa que vejo nos meus quando olho no espelho e logo depois vem um brilho ofuscante no cantinho da pupila como se entendesse todas as palavras não ditas e sorrisse leve na contemplação do encontro de almas. Eu não preciso dizer, como você também pode apenas permanecer em silêncio. Entendo, eu entendo todos os seus olhares, todas as suas intenções, os seus toques, os seus disfarces. E o que me faz pensar que já estou acostumada e louca e perdida, mulher, eu estou perdida porque ontem mesmo ouvi uns miados quando cheguei em casa sozinha depois de tanto calor, de tanto caos, depois da cidade queimando sobre meus pés e sob minha cabeça. Logo depois olhei para o chão esperando que alguma coisa se enroscasse em minhas pernas com o pêlo macio e negro, mas procurei por dois segundos ou três e depois lembrei que eu estava na minha casa. Eu disse: Você não está na casa dela agora, Jane, você está na sua casa e a sua casa é vazia e não existem miados nem pêlos negros enroscando em suas pernas. Tomei alguns calmantes porque eu me sentia agitada, não encontro mais refúgio sem você, eu quero a minha paz clandestina, entende? E resolvi te contar isso, das coisas que eu não disse e que são importantes apenas por ratificarem tudo o que você vê nos meus olhos, nas minhas intenções, nos meus toques, nos meus disfarces. Quis dizer também que passei a ouvir esses miados quando me falta o seu cheiro na minha cama que nunca dorme. E disse.

28 de novembro de 2009

'As palavras pararam de jorrar há tempos. Hoje mesmo escrevo com esforço e sem identidade. Como é possível escrever se ao longo dessas oito horas infindáveis comecei a anular-me? Meu corpo está pesado, embora vazio, minhas sobrancelhas se acostumam ao franzir de cenho e penso despretensiosamente se ficarei assim com essa expressão rancorosa por toda a minha vida.'
Uma vez você disse que gostava quando eu pintava os lábios com o velho batom vermelho, disse que isso cortava-me a inocência pueril que pareço ter pela pele macia e bem cuidada. Então você pediu em um outro dia que eu acreditasse, que eu continuasse seguindo todos aqueles ideais e aquelas idéias porque embora a minha boca pintada mostrasse maturidade e flamejasse desejos, eu era ainda uma criança e era de suma importância que eu não me perdesse, que eu me mantivesse calma e consciente. Meu bem, eu comecei, e confesso que tive vontade de rir quando você proferiu esse discursinho careta de ter fé e segurei os músculos da face lisa para não terminar numa gargalhada irônica, meu bem, comecei, estou desacreditada. Veja bem, ontem mesmo era carnaval e te ofereci cama quentinha depois do desfile na Sapucaí e casa perfumada de incenso de limão pra ficarmos bonitas e inteligentes - como se fosse verdade, como se pudesse realmente ser- e café doce pela manhã com villa lobos ondulando suave, mas você não veio. Depois era outubro e nada tinha mudado a não ser os três ou quatro quilos a menos por culpa da maravilhosa sensação de fome que tomei como vício naqueles tempos e que perdura até hoje, em verdade no momento exato meu estômago faz mil reclamações, mas eu não ligo, é assim que tem que ser agora: necessito sentir que tudo funciona aqui dentro.

Era sexta-feira quando te chamei pra segunda e é bizarro lembrar que era sexta-feira e que o fim de semana nunca havia demorado tanto para ter um fim - logo o sábado que rendia na época suor pelo corpo todo e o corpo todo eletrizado pulando no centro de uma boate, eu e aquelas tantas outras mulheres.
E o sábado, te digo, o sábado foi lento, lento, lentíssimo. Todos os segundos cravados. Eu fui pra Copacabana naquele ímpeto de que tudo fosse esquecido - e tudo significava a arte da espera. Nunca tive vocação pra ficar parada esperando, sempre me neguei a deixar o meu destino na mão de qualquer pessoa senão eu (mesmo que até hoje eu não saiba realmente quem eu sou e se confio em mim também não sei, mas).
A casa estava tão vazia que as paredes, além de ouvidos, se permitiam bocas também e começavam a falar coisa qualquer que pouco me importavam, alguns conselhos, alguns caminhos e atalhos, mas eu não precisava de conselhos, caminhos, atalhos, eu só queria que a porra do tempo passasse voando, eu fui pra fria copacabana já escura na esperança de enroscar as pernas em qualquer outra perna para que as horas não fossem sentidas, MAS FORAM! e me arrependi de ter saído de casa, estivesse eu mais sã ou mais louca tomaria remédios e dormiria por dois dias inteiros até que

4 de novembro de 2009

Estou aqui andando e decoro tudo o que penso para que seja possível depois a documentação, para que você as conheça, essas idéias. A rua é estreita no início, mas como continuo andando, vejo que se alarga pelo final e os terrenos que eram vazios se preenchem com casas imensas que foram sede disso e daquilo lá por mil e oitocentos. Ninguém me disse isso, percebo porque mesmo sem interesse a percepção é presente. São construções fantásticas, você tinha que ver!, e a rua não possui postes desses convencionais, mas uns postes quase como lustres tingindo de tinta amarela a parede dos edifícios e dessas antigas casas. Até meu rosto parece meio sombrio agora que cheguei ao outro lado da calçada.
Sempre passo por aqui nesse horário, quando venho. Cinco e pouquinha, quase seis da tarde. O céu está escurecendo, mas como as casas são grandes e a rua é larguíssima aqui no fim, é possível apenas ver os últimos feixes que o sol lança lá pelo horizonte, no fundo.
Paro numa dessas casas, a que eu acho a mais bonita. Elego-a a mais bonita porque havia umas casas como essa nos meus sonhos de infância e na minha doce juventude. Parece um castelo com esse cimento frio e cinzento que muda de cor quando os lustres se acendem.
São várias pequenas varandinhas com grandes janelas na parte da casa que vejo.E te imagino ali, com um vestido de noiva vermelho, abrindo a grande janela da pequenina varanda. Seus olhos fitam algo que não entendo, talvez uma figura colada à retina, que faz com que qualquer outro sinal seja insignificante aos seus sentidos porque seus olhos não se mexem. Talvez você sinta a rua pelos ouvidos ou pela pele. Talvez outras sensações sejam as mais importantes, não consigo definir isso direito. As mãos seguram o parapeito e as suas cores colorem de fogo o sépia da paisagem.
Fico parada observando, tentando de todas as maneiras captar os detalhes do seu rosto, da roupa, dos cabelos balançando suavemente, porque a tardinha faz um vento bom, mas logo você some.
Aperto bem os olhos para limpar a visão e trazer-te de volta. Pisco desesperadamente e nada. O que você fazia ali, criada naquelas janelas lindíssimas, eu simplesmente não sei. Não quero saber. Não é birra, só não quero criar teorias da saudade, não me interessa explicar porque isso ocorre. Não interessa entender-me mais. Somente lhes conto para que saiba que em meu inconsciente há sua fisionomia escondida e que me basta uma casa-castelo qualquer, me basta uma rua bonita, um lustre, um olhar penetrante, me basta qualquer coisa – às vezes efêmera, pequena, quase um nada para outros olhos, mas uma porta de lembranças para os meus devaneios, então você se projeta diante de mim.
Já escureceu. Viro a esquina porque não me interessa a beleza solitária dos castelos. É a princesa, aliás, que dá vida a essas construções frias.

24 de outubro de 2009

Mais café, mais café, mais café porque ali o tempo escorria lentíssimo e, ansiosa, lembrou-se do momento quando tudo começara naquele parque numa sexta-feira chuvosa. Não era importante em qual parque havia acontecido – o importante era que chovia e o cheiro tinha cor verde musgo molhado e o som eram gotas cristalinas nas piscinas claras rodeadas por pilastras. Sentiu saudade. Tinha isso de sentir saudade de momentos. Uma fincada no peito, um leve arrepio. O importante mesmo era que havia acontecido e ela, como não se soubesse lidar com surpresas, mas como que já preparada, como se esperasse, como se sempre soubesse, como se, tão adivinhadora e certeira, tivesse conseguido pegar com as mãos pequenas alguma coisa que mudava dentro e fora. E tivesse conseguido tocar essa coisa diferente, mas já sabida, como se segura um passarinho por pouco tempo e depois quando a mão se abre e o pássaro sai cantarolando através das janelas você sabe que é para-nunca-mais. Tinha tocado essa coisa em metamorfose: sabia, quando percebeu, que tudo estaria diferente: estaria embaçado, como ousou dizer, e a partir de então.
E ainda isso: precisava pensar claramente. A sociedade não a aceitaria se não pensasse claramente. Pensamentos turvos, contornos embaçados, vozes modificadas e pessoas como fotografias pessoas como pinturas pessoas como paisagens.

23 de outubro de 2009

Como se fala sobre as coisas indizíveis?
É possível interpretar os mudos sons do silêncio?
E a noite, escuridão que se vê, quais segredos camufla entre os negros espaços intangíveis?

16 de setembro de 2009

Eu - que cansei de traduzir sensações. Eu que tenho em mim a sinestesia. Agora transbordo, escorro, liquefaço-me. Que sou além do úmido vestígio no travesseiro? Eu que choro doído e doido. Eu gosto quando é o corpo quem responde as perguntas esperançosas dos olhos silenciosos, mas às vezes não fito outros olhos senão os meus - miúdos, castanhos e entristecidos. Me respondo corporalmente: caem os cristais que brotam das grutas amarronzadas e a coluna se curva esforçada.
Porque entristeço? Porque anoiteço e a noite é escuridão. Hoje não existem estrelas no céu. Foram apagadas? Quem, senhoras, teve a ousadia de me privar da beleza das estrelas? Estou sozinha e se sou capaz de me jorrar assim lasciva e decisivamente, digo que o esforço é tão maior quanto o das nuvens pesadas que colorem de negra camada densa a mais bela das telas.
Eu, que tenho febre e estou ardendo e estou doente, te escrevo porque preciso de uma válvula de escape. Uma válvula de escape na ponta dos dedos e me escapo de mim.
Te escrevo porque preciso de ouvidos. O mundo carece de pessoas que tem o dom de ouvir e eu sei que pronunciarás em voz alta todas as minhas palavras fugazes ainda que escritas na tentativa de terem permanência. Te escrevo sem intenções ou objetivos: te escrevo como consequência e não como causa. Eu estrondosa e brilhante no momento da explosão. Como se capta o momento exato em que se supõe explodindo depois de implodir? E como se capta o momento exato em que os destroços luminosos são passionalmente afastados de um centro imaginário? Eu - um centro imaginário de onde se afastam muitos pequenos pedaços brilhantes de mim. Eu que sou fragmentos. Ao menos assumo: sim, sou aos poucos, e te escrevo em doses homeopáticas desordenadas.

26 de agosto de 2009

acompanho-te.

O céu continua escuro. Minhas unhas já estão roídas (ainda é terça-feira), meus cigarros acabaram todos e meus olhos mal conseguem se manter. Não sei se pela ausência do sol ou pela presença maciça das nuvens escuras, sinto-me numa luta para conseguir enxergar. Não é uma terça-feira qualquer, embora, olhando a janela com gotas de orvalho matinais, posso afirmar que terças assim já existiram. Não consigo abrir direito os olhos, mas sinto que existem peculiaridades nessa última terça-feira de agosto. Logo chega setembro, que venha azul pois o cinza de agosto começa a cegar-me.
Grudei os olhos ontem num ponto fixo do asfalto desgastado enquanto esperava o ônibus, aqui mesmo perto de casa. Imaginei teus contornos, recompus teus traços num pedaço qualquer do asfalto pisado, tão pisado e massacrado: quente ainda do atrito com os pneus.
Devo estar delirando. Arrancaram de mim os dentes pela raiz. Ainda sinto gosto de sangue, mas alí, distraida, perdi todos os ônibus que me levariam ao destino desejado, que já
nem lembro qual, se é que desejo algum destino. Alí, em pé e distraída, quando refiz teu rosto e teu corpo, deixei-me horas sem enxergar passantes, esquinas, movimentação; te recriando para mim e só, até que começou a chover. Chovia muito e já era noite; eu gosto de chuva, mas eu não queria que você se molhasse ali no chão de asfalto. Resolvi voltar pra casa. Sou adaptável; não por nascença ou instinto, mas porque se desenvolveu em mim ao longo desses anos a doce arte de fazer da realidade um mundo dotado de todas as minhas possibilidades. Necessito adaptar-me para bem usufruir os raios quentes de sol, as gotas frias da chuva, o vento gélido e quase aterrorizante que chega a beira-mar quando anoitece.
Foi no último sábado que li o que me deixaste em cima da cabeceira, depois de olhar as gotas de orvalho:
Não fui embora completamente. Mantenho-te. Acompanha-me?

o bilhete e a tua ausência, como de costume. Como se dissesse querer prolongar nossa sensibilidade. Como se implorasse disfarçadamente a permanência do elo nunca soldado. Mas onde? pensei em perguntar e tive a certeza de que você responderia: dentro. Acompanha-me dentro, que é exatamente onde estamos, que é exatamente onde podemos estar.
Então fecho os olhos. Você não foi embora completamente. Fecho os olhos e Te recrio para suprir a falta, se é que me entende. E quando olho bem dentro de mim e acho o dentro do fundo dos teus olhos, mergulho e nesse momento exato se abre um abismo entre o conhecido e o intocável e inatingível, embora tão perto, tão perto, e mergulho me afundo me afogo e quantos oceanos nos teus olhares. Continuo, resignada, escondendo nos olhos úmidos o pedido implícito que me fizeste, a resposta óbvia e demasiadamente clara: acompanho-te, acompanho-te, e levo nos olhos ainda o pacto inimaginável das nossas estradas unificadas. Coloquei Radiohead quando cheguei. Bad day, eles dizem. That's not me. Ah, Essa louca insone de coração rasgado vestida com a capa de cansaço e vício e perda e fome de realidade, mas pensando sempre nisso: no mergulho no dentro e nos olhos; alimentada de ilusoes, essa louca. Mergulho mais e mais e mais depois do abismo. Às vezes o mar vira céu e as algas nuvens e as ondas anjos lindos anjos lindas ondas quebrando-se sobre as pedras cristalinas, tudo isso eu vejo. Passo agora dias inteiros num choro calmo, mas controlado. Acompanho. Um pouco de tristeza ainda: nunca compreendi os motivos. Mas sinto plumas me envolvendo, eu encosto minhas costas no colchão e são nuvens e ondas e anjos e harpas só de mergulhar no fundo do abismo. Lindos anjos lindas ondas.
Quando venta muito e faz muito frio e as janelas ficam pipocadas de gotas, eu junto os papeis e os taco na lareira para me manter quente. Eu pego blocos e blocos e anoto frases desconexas, i`m following, i`m following, i`m following you, coisas sobre vísceras e poesia e morte diária e redenção e reencontros - escritos inúteis. Junto nossos pedaços. Seguimo-nos de longe, observamo-nos de camarote, onde a visão é melhor pois o angulo é privilegiado e distante dos outros observadores.
A verdade é que não sei onde estou, onde está você, onde está ninguém. Estive esse tempo inteiro a beira - do abismo, do mergulho, dos olhos e do dentro. Tenho vontade de cantar para que o meu canto alcance as paredes do teu quarto e soe como sinos harpas anjos e sufoque o barulho dos carros e dos caminhões e as conversas paralelas e todas as frequências de rádio AM e FM, que minha voz em sinos e melodia sufoque tudo como o meu choro calmo e controlado.

A noite de sábado foi terrível. Puxei meus cabelos com tanta força que imaginei que acordaria com metade dos fios soltos no travesseiro. Estava tudo escuro, a porta em forma de sanfona estava fechada e apenas um feixe de luz entrava pelo quarto - esquecida a luz da sala acesa apenas para tirar-me o medo de estar sozinha. Eu segurava o bilhete em uma das mãos, o chumaço de cabelos em outra, os olhos fechados buscando, buscando, abrindo-se e vendo o feixe de luz e fechando-se em mares anjos ondas harpas e abismos.
Nessa última terça-feira de agosto, dia cinza com gosto de sangue, tento cantar para levar até a torre da princesa o que me transpassa agora em pensamento: Eu nunca vou parar de sentir a dor, a dor, a dor eterna de seguir fechando os olhos e me afundando e mergulhando no sem-fundo do abismo que é acompanhar-te. Mas repito: Acompanho-te. Sempre. Dentro.


14 de agosto de 2009

Que esse vazio, às vezes, te digo: que esse vazio, às vezes, me perfura. E ninguém nunca desconfiaria, pois são todos uns cegos que não conseguem - e pior! pior, meu Deus, calamidade!, eles não querem-, todos uns cegos que não conseguem porque não querem enxergar um palmo além do proprio nariz, talvez curvem, os cegos, as cabeças cheias de cabelos ou mesmo as sem cabelo algum, curvem-nas e enxerguem o umbigo, talvez olhem para frente apenas para não pisarem em alguma merda na calçada, então não me preocupo e digo a ti como confissão pois sei que me entendes. Ninguém desconfiaria, nunca, de nada, sequer porque não querem enxergar - te digo que fico com marcas e espaços na pele: perfurada. Não enxergam nada, muito menos sabem ou desconfiam desse vazio que te digo agora, que, às vezes, às vezes é capaz de perfurar-me assim numa cadência lenta e permanente.

11 de agosto de 2009

E então enfrentamos agosto.

- Me acorda, me acorda. Não me deixa dormir.
Sempre era assim. Eu odiava aquele tempo quando fazia calor daquela forma. Mentira. Eu amava aquele tempo quando fazia calor daquela forma quando estávamos juntas. Amava todos os tempos. Era inverno e por diversos dias tínhamos a certeza de que era verão, de que era outono (geralmente quando víamos o por do sol), de que era primavera (porque ouvíamos tantos sobre as flores), mas era inverno por mais que não parecesse. Eu odiava é quando tinha que enfrentar sozinha todos aqueles graus invadindo pela janela. Porque é que eu não pensei nisso quando me mudei pra cá? O sol nasce bem em cima, as horas vão passando e o todo poderoso invadindo o quarto, nos acordando por volta de meio dia, depois o suor, o cabelo molhado grudando na testa, o ventilador que nunca cumpre a obrigação. E nós duas ali como num deserto deitadas coladas e grudadas num calor do caralho em cima de um colchão mal coberto e quente. As costas doíam, você dizia para que eu não te deixasse dormir mais, que já eram quase duas, que ainda íamos a praia ou assistir o por do sol no Arpoador. Depois um café gelado, depois uma festa junina, depois um; e eu te dava beijinhos no rosto e assoprava sua nuca e suas costas e te deitava de lado e fazia um carinho leve pensando na porra na merda na puta que pariu daquele calor que deixava a minha menina ali toda quentinha, e que eu odiava sentir o meu corpo queimando assim, e você dizendo sonolenta que adorava quando fazia calor daquela forma, e que tava tudo lindo, que hoje era domingo, que. E dormia de novo toda toda toda. Deixando que eu enxergasse lá no fundo, sabe? Isso, lá na fundo. Talvez a palavra certa seja entregue. Você estava ali, entregue no colchão já moldado pelos corpos, e era um colchão de solteiro, um colchão de solteiro porque eu nunca tive dinheiro para aquelas camas de casal com molas e big size. Eu nunca tive espaço também, mas isso não importava porque você estava ali toda, como eu disse mesmo? Entregue; você estava ali toda entregue dormindo e acordando pedindo para que eu te mantivesse acordada, depois chegou a me dizer que era pra ter jogado água fria em você para que começássemos a nos arrumar porque em breve ficaria tarde demais e teríamos que voltar e acabaria o domingo, depois iria me confessar também alguma coisa sobre como as horas passam, você disse enquanto estávamos no ônibus, disse alguma coisa como: eu não vejo as horas quando eu estou com você. E depois, quando deitadas fora do calor, porque era calor naquele inverno somente na minha casa, e quando estávamos no seu quarto era mesmo friozinho, também deitadas num colchão no chão, mas dessa vez de casal, o que poderia nos deixar mais esparramadas e confortáveis, mas nunca dormíamos assim separadas esparramadas e confortáveis, sempre preferíamos nos abraçar assim tentando encaixar direito cada parte do corpo com a outra parte do corpo da outra, quero você dentro de mim, quero você dentro de mim, e eu te diria sorrindo que te amo,que te amo,que te amo. Falaríamos depois sobre imóveis e eu diria: então ta. Teremos uma fazenda com dez cachorros fora de casa, talvez uma tartaruga, um plantão medico 24h, uma maquina de capuccino pra eu te acordar de manha, dizia isso enquanto pensava: talvez não seja assim, talvez tenhamos um apartamentinho, quem sabe? Mas teremos. Teremos e é o que importa.
Mas era domingo, quase três, e eu queria assistir uma peça que tínhamos assistido na semana passada, porque porque porque sei lá, sabíamos alguma coisa em relação aquela peça, mas agora é você, eu tinha vontade de dizer mas não dizia nada, porque não precisava dizer nada, porque meus olhos olhavam você agora, porque era você quem estava ali naquele colchão, porque eu queria ir pra sua casa e passar a madrugada de domingo e o domingo poderia ser a segunda, e depois aquela semana toda de esperas, e você me disse para não irmos, que você não queria ir. Não estou com a mínima vontade de ir. Mínima, você disse. Abaixou os olhos assim, a cabeça, sentada encostando na parede. Eu disse: então não vamos. Será que da tempo do por do sol no arpoador? E ainda tinha o almoço, e eu me desculpava dizendo desculpas eu nunca sei o que fazer quando não tem peixe aqui, que mais que vegetariano come? e você sorria assim dizendo que não tinha problema, que tava tudo lindo, que você me amava, que eu te amava, que era domingo.

10 de agosto de 2009

Eu chorava muito enquanto te olhava.

Eu chorava muito, eu chorava muito enquanto te olhava.
Conversávamos esperando que alguém te chamasse, sorridentes, as duas; era um ensaio, eu acho, ou algum teste que você iria fazer e eu tinha te chamado. A Vanessa, produtora, havia me ligado na noite anterior e perguntado se eu conhecia alguém assim assim assado para uma personagem do novo filme de não sei quem. Preciso que tenha olhos expressivos. Brilho, luz, que seja assim uma mulher misteriosa. O resto você já sabe: eu te liguei mesmo, deviam ser umas onze horas da noite, eu te liguei, você disse sim e nós estávamos num set de filmagens já, tantas câmeras e luzes e um cenário meio surrealista e eu estava ali com você e era real, ou pelo menos parecia, porque eu só conseguia pensar que era real, que eu te contava coisas absurdas e que você tocava meu braço e eu sentia muito esse toque embora fosse leve e de pouca duração.
Eu te olhava e queria olhar para tudo o que estava acontecendo lá fora tambem, Porque no meu mundo tudo parava, eu queria olhar lá pra fora pra sentir que ainda tinha controle, que eu ainda fazia parte de um mundo onde as coisas acontecem, e nao onde um segundo fica materializado e repetido ininterruptamente enquanto.
Mas conversávamos. Agora já não lembro sobre o quê, mas sei que conversávamos e que você me sorria, que os seus olhos me sorriam e que parecíamos nos entender tão bem, eu pensei, ah, se tivéssemos uma chance de sei lá esquecer a razão de tudo mas não temos - nunca temos. 'There are no chances, there are no changes. Pay attention to the dangerous: the big monster insanity....' mas numa melodia Calma. Parecíamos mesmo nos entender e nos abraçamos e foi aí que eu chorei muito, chorei muito quando te olhei, logo que meus braços destravaram dos seus e tinha ainda na boca um gosto salgado de ombro, e era o seu ombro e me parecia real demais, tão recém tocado ali, aqueles segundos sendo quase dias, e eu te olhei e, como num susto, como num surto de verdades, eu confesso: eu chorei muito porque é injusto a vida não dar chances. Era esse o pensamento inicial.
E chorei muito por vários motivos depois, quando me dei conta de que a vida dá, sim, muitas chances e talvez eu que não tenha enxergado as chances da vida e que agora as coisas não passam de reminescências esfregadas assim nos meus olhos depois de nos abraçarmos e conversarmos e nos entendermos, mesmo que eu não lembre sequer uma palavra do que falamos; talvez eu tenha até dito que teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada, talvez você tenha respondido de um jeito doce e ao mesmo tempo distante. Talvez.
Mas eu chorei muito porque eu estava ali, porque eu te olhava, porque seus olhares são abraços tão fortes que doem de um jeito que amo pois amo tudo o que me fere. Então eu me sentia assim como um por-do-sol que vi um dia, um dos mais lindos, quando ele se envermelhava choroso; depois do vermelho, meio roxo, meio rosa fluorescente e flamejante, e as nuvens escondiam o choro do sol, todas de faces escuras ao redor, e as minhas lagrimas vermelhas transbordando coração; então eu chorava muito, muito, muito, eu chorava muito enquanto te olhava. Acordei e os meus olhos fundos e a maquiagem borrada e tudo ainda parecia real como se vivido na noite passada. Tudo em mim: o sonho, o choro, os olhos. Recém tocados.

1 de agosto de 2009

Me desfaço do vento. Me desfaço do que venho sendo em março, abril, maio, junho, inclusive, e julho. Aqui é o meu agosto e eu me despeço dos sofrimentos, dos meus brinquedos do passado e das minhas ilusões. Eu vou embora, vou só com a roupa do corpo. Um vestido, é claro, pra ficar feminino, e um sapatinho de cristal preso ao pescoço; leves adornos para uma alma desadornada. Vou leve, meu peso dos ombros fica nessa estação. Que venha calma pois estou serena também, sincera, semi-nua de mim.

30 de julho de 2009

descoincidências

Antes era a expectativa, o despertar do reconhecimento do outro, dos olhos do outro, do cheiro do outro, da pele do outro. Antes a espera alegre e calma, as horas que eram minutos, o café que nunca demorava porque existiam preenchimentos, conversas, gargalhadas, filmes preferidos e pão de queijo. Às vezes cerveja, vodka, rum e drinks, principalmente sex on the beach. Brincavam com nomes, faziam paródias. Teatralmente interpretavam seus personagens preferidos num grande palco que era o quarto não muito iluminado.
Agora o ônibus demora a chegar porque os afazeres são mais importantes. Agora eles ficam dois, três, quatro minutos no silêncio antes que engatem de novo em assuntos corriqueiros. Constrangidos, ambos. Os dois não sabem onde aquilo tudo foi parar, não sabem se eram falsas as coincidências, se os olhos brilhavam meio fosca e toscamente; não sabem em que momento se perdeu a cumplicidade, a vontade, a doce comparação entre os poemas escolhidos do Pessoa. Agora os dois voltam pra casa com a certeza de que não haverá próximo encontro e a angústia permanente: como se perde assim a empatia e o desejo?

24 de julho de 2009

E eu, que de princesa tenho só os sonhos

Insistiam nisso, todos os meus parentes, em perguntinhas feitas com más intenções: e o namorado, quando vem? vovó começava, sempre falando em bisnetos. pois é, já está uma mocinha, tia valéria completava, geralmente quando nos reuníamos as mulheres na cozinha de azulejos azuis, isso quando eu ainda não passava de uma menina de quatorze, quinze anos.Eu nunca quis que ele viesse, sem saber ainda as feições, mas como havia de ser: forte e destemido, num lindo cavalo branco. Nunca tive essas pretensões, esses desejos. Tantas o queriam e eu simplesmente dava de ombros. Que chegue pra vocês isso, se existir. Esperem. Eu, que de princesa tinha só os sonhos, acostumei-me em pentear os cabelos em frente a penteadeira, que ficava ao lado da janela.
Ouvi os pássaros.
Todas as noites, enquanto tirava as presilhas que prendiam o cabelo num coque alto e robusto, eles vinham. De início, não me dei conta. Uns cinco ou seis dias depois, como que acostumada inconscientemente, olhei os bonitos passarinhos verdes que ficavam indo e vindo, da árvore à janela. Vinham com pequenos piados, até que faziam música dessas que imploram e pedem
clementes por respostas, foi aí que o reconheci, o canto dos pássaros.
Também me alimento do que falam-me as flores.
Essa descoberta não foi um reconhecimento demorado como o dos pássaros - lembrando sempre quão relativo e ilusório é esse Senhor Tempo-, foi como algo imediato, que eu já premeditasse por tempos a fio sem me dar conta de que poderia um dia colocar em prática. No jardim, pela tarde, sempre havia pessoas numa incrível Ode ao Belo. Eu, no cantinho, olhando também - no meu incrível ode ao belo, mas eu era diferente. Numa manhã, em nosso primeiro encontro à sós, fui confiante de que teria, sim, bons resultados, visto que sempre me olhavam cheirosas e sedutoras. Então apresentei-me, e logo a coragem esvaia e o bochecha rosada e a cabeça baixa, como se pedisse desculpas pela ousadia, até que elas me interromperam. Veja: As rosas falaram-me coisas doces e, como o sol tocava levemente as pétalas e um vento frio percorria, eram palavras doces em fagulhas que se congelavam; eram coisas muito profundas, os segredos das rosas.
Acostumei-me a natureza, sou íntima da madrugada e posso ficar dias e dias matutando uma idéia: quando ela virá? Decifro o canto dos pássaros, as rosas me contam segredos, a lua, geralmente quando crescente ou cheia, sauda-me na janela com um luminoso raio que enfeita o quarto lilás com o prateado dançante. Que mais tenho eu de fazer para que ela venha? Que ela venha assim, de cabelos soltos, sem cavalos, sem brancura. que ela venha terna com os sorriso que só as princesas sabem ter. E eu aqui, que de princesa tenho só os sonhos e os pássaros e as flores e a lua.

esses remedinhos e

começo a sentir. Merda. E eu que pensava que isso demoraria a vir. Assim, de novo, dessa forma esdrúxula e friorenta. por vezes, pensei que eu tivesse conseguido Enterrar O Passado, como se tudo não fosse menos que uma fumaça distante, uma terra onde eu nunca mais colocaria os pés. ah, esses pensamentos tolos.. a verdade é que começo a sentir esse frio, esse vento, essa brisa de beijo gelado na pele. não vê que isso tudo é você? tudo isso me faz ficar aqui parada olhando essa mobília, e naquele dia tinha toalha de mesa bonita, tinha cortina nova, vinho antigo que eu havia guardado por tanto tempo, tinha uma luz avermelhada, tinham nossas taças na mesa coberta, música, música, música para preencher os nossos silêncios, e ventava tanto, porque era inverno e costumava ventar quando deixávamos as janelas abertas então íamos pra varanda olhar a vista daqui de cima, do décimo andar, nós duas ali olhando a vida passando daquele pessoal lá embaixo, aquele vento que tocava na sua pele e na minha, tudo isso é você. foi com o drama que chegaste pra mim naquelas noites frias que me fez assim presa prisioneira, e é aqui que eu estou agora, na mesma casa que antes era tão colorida, exatamente nos mesmos lugares eu deixei os móveis, você acredita?
ó, eu to te falando, acredita, meu corpo já dá sinais de fraqueza, meu corpo sente perfeitamente tua ausência, mesmo que eu tente enganar a mente e o coração, mesmo que eu acorde, continue fazendo o café, torrando o pão com manteiga e sentando na mesa pra ler o jornal e conversar sozinha, ouvir uma música, de repente sair de casa. mesmo que eu enfrente essas coisas que parecem bobas... não importa, não as quero mais como rotina, eu te digo que não me acostumo e pronto. tudo parece estranho por aqui e, mesmo que eu me engane, enfrentando os dias corajosamente, que é o que venho fazendo nesses últimos longos meses, mesmo que eu me engane uma hora ou outra meu corpo joga na cara o frio e a solidão dessa casa que agora me é
quase irreconhecível. aí fico imóvel, deixo o processo de Me Acostumar À Ausência E Encarar A Vida de lado e a única coisa que encaro são os meus dedos parados ainda sob uma manchete qualquer que nem sei do que se trata, e depois os olhos varrem as sujeiras embaixo da mesa, as teias nos cantos dos teto, de novo o dedo sob o jornal, as unhas todas roídas e descascadas e começo a falar com voce, onde quer que voce esteja. hein, gabrielle, como voce está hoje? faz frio? é melhor voce se agasalhar. lembra aquela vez em que estavamos em sao paulo? fazia um frio danado e voce ficou com aquela rinite alergica que você sempre teve. ah, gabrielle, espero que onde quer que você esteja, ainda tenha contigo um pouco da chama do que fomos, eu estou ficando doente de esperar, eu sei que não devo esperar nada, eu sei que isso já faz tanto tempo, mas se ainda houver em você algum vestígio de mim pelo travesseiro, pelas dúvidas, pelo sorriso esboçado quando você encontra algum vinil dos beatles e inevitavelmente pensa em tudo isso, ah, se ainda houver essas coisas assim com você, por mim fica tudo bem. eu continuo Tentanto Encarar A Realidade por mais tempo, até que essa mentira toda se torne uma grande verdade e eu consiga viver de novo como era antes de ter tudo o que tivemos. eu me contento assim, quando faço do ambiente o mesmo ambiente que era antes, é só eu fechar os olhos, gabrielle, que eu enxergo tudo de novo, que eu me lembro dos sons, das cores, dos cheiros - e eram tantos cheiros que às vezes me perco e confundo, mas a mistura ainda assim é boa e me traz uma lembrança que, ah, gabrielle, se você soubesse. Depois tudo passa, essa angústia toda, o inverno vai embora e eu sou, sim, como você sempre dizia, uma mulher corajosa; e não vai me faltar coragem dessa vez, eu vou seguir em frente, gabrielle, querendo ou não, eu vou seguir em frente porque eu devo isso a você, eu devo me manter aqui para que você não se preocupe,
eu estou muito doente, mas eu vou ficar bem, tudo ficará bem em breve, gabrielle,
não teremos mais problemas,
são só esses remedinhos e

12 de julho de 2009

Ninguém é páreo para as nuvens.

Tento pertencer-me nesse vazio. Já descobri teu entre, o viscoso branco de nossa liberdade, a fluida matéria do abuso nos campos e na entrega dolorosa num confessionário de uma Igreja. Leio a tua fome,
E o meu entre, onde está, se só me permeio? Nunca adentro; sempre beiradas impermeáveis de feto em formação e beiradas impermeáveis de carniça a espera do fim. No meio, no impenetrável entre. Sou, por hora, mais um cigarro enquanto ainda ouço a melodia. Depois o silêncio transitório da obrigação de esquecer-me em sonhos e plumas. Nuvens! Nuvens de poeira e pensamento beirando o excesso ao acordar. Nuvens que não são de algodão-doce. O Sol não queima as nuvens; elas se dissipam quando querem, cúmplices dos ventos, não do Sol, que pensa que é rei - e pode mesmo ser, mas não para as nuvens. Ninguém é páreo para as nuvens. Sinto as horas acumularem dúvidas e dívidas, sinto-me em torno de duas horas da madrugada, sinto o simulacro de invólucro que separa o real da minha ilusão cotidiana. Sinto a fome gulosa que tenho. Estou alimentada, mas não saciada. A pouco acordei assustada, posto que o sono havia sido furtivo numa tentativa de não-ser enquanto ser era exatamente o que era preciso. Desconcertada, me atirei na luta da existência: fiz um café. Pó negro e escuro como que filtrando a água limpa e clara: misturas e gostos e cheiro. Fiz meu café, sou humana - digo a mim, ao espelho, ao ver a fumaça que se apresenta sob a xícara e mais além. Essa fumaça mesmo sou eu, uma breve tentativa. Tento consumir o máximo dos dias e, no entanto, uma breve tentativa de esboço em nuvens. Mas ninguém é páreo para as nuvens.

10 de julho de 2009

A vida desperdiçando-se em fumaça no quarto

(eu tinha desistido de postar só porque ficou grande, mas resolvi colocar assim mesmo)

Para as duas,

que estão distantes,
mas se eu pudesse etc etc

Mais uma na multidão, mas sabia que tinha sido destinada a algo grande e importante. Ainda não sabia o que era, mas desde sempre esperara que algo explodisse. Esperava ainda agora, enquanto, mesmo sem dinheiro, ia para a faculdade federal do rio de janeiro cursar as matérias legais e as matérias chatas da graduação em letras. ainda assim, disposta a aprender, a escrever, a passar as horas ditas desperdiçadas em frente a máquina que colocava forma nas suas ideias, os dedos amarelados, o cigarro na boca, as bitucas no chão, tudo corrido e sem tempo tentando se preparar para quando houvesse aquilo tudo: a explosão.
Estava sempre assim, sem um real na carteira, conseguindo pagar seus vícios sabe-se-lá como; não parava pra pensar nisso. Quando percebia que sempre andava a beira da pobreza total, sabia que tudo não passava de águas ruins, que sempre conseguia se safar, que isso só confirmava o fato de que era uma predestinada. Nada lhe faltava para a hostil sobrevivência, mas o anseio e o desejo pela real significância da vida lhe faziam acreditar e confiar que a fome realmente crescia, que as idéias não cabiam mais naquele ambiente, que tudo era pequeno e envolto por cobertores pesados; queria, mesmo, era acreditar ainda mais que poderia descobrir, tirar o cobertor, deixar o que é pequeno crescer sem controle.
Todos os dias agora começavam depois das três da tarde. Acordava pelas nove da manhã, fazia um café, fumava dois ou três cigarros, ligava a TV e ficava assim olhando as figuras coloridas que se faziam na tela nos canais infantis. Ficava por um tempo, se cansava, deitava na cama e ficava ali, inerte, quietinha. Era inverno, mas o sol invadia ferozmente o quarto, esquentando. Deixava-se esquentar por inteiro, camisolinha de seda verde, olhos fechados maquinando uma saída. Chegaram as férias e junto com elas, o tédio. Porque sempre andara de um lado para o outro, nos últimos anos, aguardando ansiosa o próximo desfeixo, preparando os produtos para serem expostos, esperando que o fim de semana chegasse, que a Giovanna chegasse, que saísse o dinheiro do último trabalho, que a mãe fizesse a comida do jantar. Agora nada disso viria mais: estaria em paz por um mês. Mas como? teria que conseguir se isolar ou estaria morta, pensava. Sempre extremista. Ou consigo agora alguma coisa ou fodeu, tomo mil remédios uma noite e na manhã seguinte não acordo nem com uma voz doce nos ouvidos.
Oh, tempo, como és cruel com seus súditos, os humanos! Como escapas ferino pelos dedos e iludes nossos sentimentos, modificas e destrói. Tu, ó tempo, tens o poder maior de controlar essas vidas medíocres.
Querendo dormir, mas mil pensamentos a perturbavam. Não era uma perturbação ruim, apenas a perturbava porque andava sem tempo antes. Os dois amigos com quem dividia o apartamento não paravam de falar sobre as notícias do dia, tributo a michael jackson, novo programa na televisão, a estréia de uma peça, o pneu do ônibus que furou, sei lá mais o que. Ela só pensando, perturbada, em como seria se tivesse dinheiro o suficiente. Se morasse sozinha. Se estivesse sem amores. Como seria se agisse como uma louca apenas por uma boa história para um livro? Saberia que seria diferente se sua vida andasse como há alguns tempinhos atrás: três anos, quatro, algo assim, quando ainda não tinha muitos compromissos e o espaço na agenda tinha de sobra. Agora não: correria, prazos, cursos, aspirações grandes que a moviam sempre correndo tic tac tic tac, Era férias, então tudo isso parecia passado, embora fosse ainda a primeira semana sem a faculdade, antes tirando os saltos altos ao chegar em casa, colocando o batom vermelho antes de sair, retocando o esmalte, o velho e bom pó de arroz, blush rosa, ajeitadinha no cabelo e ia toda serelepe esperando o futuro. Se fosse como antes, poderia ao menos encontrá-las. As três eram de ambientes diferentes, sabiam. Distantes geograficamente, mas as poucas coisas ditas eram motivo de olhos brilhando. Não era amor, não é disso o que falo. Ou era: amor pela vida. Tinham um elo. As três, eu diria, embora não houvesse a fiel convivência. Porque estavam mesmo ligadas por um fio invisível de visceralidade que não seria desfeito assim tão fácil, visto que somente elas podiam enxergá-lo tão firme como este se apresentava.
Agora o vazio ficava já que não tinha mais prazos. Só o vazio e o tédio e aquela vontade faiscando de que devia se arriscar, como sempre dissera aos amigos.
- Mas eu tenho medo. Sabe aquelas situações que parecem intocáveis e bonitas justamente porque elas existem, apenas isso? Como se acontecesse dentro de uma bolha, brilhando em volta, mas são tão frágeis, estouram por qualquer influencia externa na vida real. É por isso, aqui temos os nossos limites que nos separam dos outros, esses limites nossos. E aí eu tenho medo dessas influências, dos vínculos que podem alterar o percurso. Mas enfim, que a bolha se estoure, qual o problema, não é verdade? Eu estou viajando, eu sei, mas faz sentido. Eu quero ver vocês, mas eu não posso. Que impotência. A vida disperdiçando-se em fumaça no quarto.
E os olhos em algum lugar, embaçados e cansados, insistentes em continuar abertos, curiosos cheios de súplica. Quantos minutos mais?, pensava. Se demorasse tanto, poder-se-ia dizer que os olhos se secariam, pálidos e exaustos da luta em simplesmente manter-se. Esperava. Mais dez minutos antes de dormir. Como seria se não tivesse vínculo algum? Com nada, nada, nada, família, amigos, sociedade. Se tivesse apenas o compromisso consigo mesma e o dever de fazer tudo o que surgisse na mente.
Sim, agora eu vejo. Pelo espelho retrovisor de um 173, eu vejo alguém que há tempos eu gostaria de encontrar. Tão séria que eu ficava assim quando distraída. Uma mulher de vinte anos- e era a primeira vez na vida que me via assim: mulher. Madura, parecia, um tanto determinada para os que me olhassem: mochila, bolsa, sacolas de muambas numa sexta-feira às 8h da manhã pegando esse 173 na central até a rodoviária. Viajante arriscada, mulher de pulso. A imagem que se apresenta me agrada. Descanso de olhos fechados o grande fardo dos últimos dias que precederam a esperada viagem, o desgarrar das amarras do dia-a-dia para vinte e quatro horas que existiram e ponto, nesse momento que falo os dias já terminaram e sabe-se lá quando as terei de novo, mas estão guardadas. Guardei-as na gaveta, junto as outras lembranças, e fechei-as com chave para que lá permaneçam. Aos poucos olho no fundo das janelas da alma e enxergo o inxergável. os fracassos, as perdas, as dores. Uma mulher desempregada sem saber o que vai ser em breve - porque já cresceu, já é mulher feita: cabelos, unhas, curvas, o sexo vibrante quando pensava em safadezas. Será que demora mais ainda? Pelo menos serão quatro horas de viagem, eu preciso dormir. Na verdade, eu só preciso de uma chance. O ônibus demora no caminho, maldito motorista que conhece metade das pessoas que ficam nos pontos de ônibus nesse rio de janeiro. E eu ansiosa. Oito e meia quase e abro mais um dos chocolates. Nada parece real, estou cansada porque não durmo há três dias.
Doces são mesmo serotoninérgicos. Nada melhor para a minha ansiedade. Ah, a natureza humana! Não existem inocentes. Somos todos culpados do grande crime de darmos as mãos ao medo e à covardia. Todos animais sem instintos, privados das segundas e terceiras intenções e domados pela tão cruel racionalidade. Eximo-me de pensar agora. Dou-me às idéias dos primitivos. Brindo as minhas vontades! Não sou inocente. Que venha então sobre os ombros o peso de seguir farejando minhas epifanias e catarses de cada dia.
Acredito em tudo e duvido de tudo. Estou no centro da agitação e da neurose; calma, lânguida, andando a passos ora largos, ora miúdos. Absorvendo como real quando acho válido de ser vivido para as minhas pulsações. Vivendo, imune, bem assim lânguida na estrada confiante e desconfiada.
Então as duas foram andar na Av. Paulista, e a outra pensando em casa em ter pelo menos cem reais agora e poder ir pra rodoviária e fodam-se os compromissos todos, ir pra rodoviária, comprar a passagem RJ-SP, como já tinha feito algumas vezes, impulsiva e insone, sempre as decisões tomadas depois de prontas, tudo acontecendo atrasado e adiantado e cronologicamente perturbado, diremos assim, então a outra iria pra SP com os seus únicos cem reais e pegaria um metrô naquele frio, ela nem teria levado tantos casacos assim, uma única mochila, duas calças e duas blusas, a máquina fotográfica, uns papéis, um pen drive com os seus escritos. E agora o frio, e a busca pela rua, que rua que é mesmo? Pega o metrô na cidade fria e de pessoas bonitas, gostava assim quando fazia frio no fim da tarde, quase noite que já era, e chegara então na Av. Paulista também, porra caralho impulsividade! pensava, mas estava com um sorriso no rosto, de orelha a orelha, caminhava cada vez mais rápido porque sabia que em breve chegaria ao tal bar onde encontraria as duas que também andavam pela Av. Paulista. Daí a outra vem caminhando assim rápida, enquanto as outras duas sentadas agora, garrafas de cerveja pela mesa, cinzeiros cheios, as ruas cheias também porque era feriado, as duas de calça jeans, cabelo bonitinho, arrumado, as duas lindas ali, as duas de sorriso aberto olhando a menina que chegava desajeitada de um calor do Rio de Janeiro, que mesmo no inverno parece verão, gente, eu vim, eu vim aqui beber com vocês, eu só precisava de cem reais e eu achei os cem reais e eu to aqui, caralho, eu to aqui. E as três lindas a noite inteira bebadas de serem, tão, tão, tão, e não é que a vida é realmente um absurdo? Eu tinha um aniversário pra ir hoje, uma diria, e a minha vida anda uma merda, e a minha vida anda uma merda, e a minha vida anda uma merda, todas as três diriam. Mas foda-se, agora é o momento. Foda-se se tudo anda uma merda, se falta o dinheiro, se parece que ninguém enxerga o valor natural das coisas e dos rumos, o que importa é o que fazemos aqui nesse frio de são paulo tentando encontrar alguma razão, tentando expressar o que somos, tentando, juntas, achar alguma fonte de sobrevivência entre o caos que se instala em volta de nós, tentando escrever ao menos algumas entre-linhas que nos salvem no final de uma história.
E isso é tudo. Há três dias eu não durmo e há três dias eu não saio de casa só maquinando uma saída.

7 de julho de 2009

Agora faz calor como há dois meses atrás, embora seja definitivamente inverno - sinto isso a noite quando não ligo os ventiladores da casa e tudo fica silencioso e ouço os tic tacs do relógio que me atormentam. (por ser inverno, por ser frio e solitário.)
Mas agora faz calor, estou sentada no banco de uma praça que parece aquela praça onde, pela primeira vez, eu disse que seria melhor nos separarmos. Você deve ter achado uma loucura tudo aquilo porque estávamos ainda nos conhecendo e tínhamos tanto pela frente, já começávamos a sentir doer a falta quando a ausência se prolongava, e eu louca querendo um ponto final. É que eu sabia que seria assim. Me conheço demais, esse é um dos meus dons. Eu sabia que se passariam dois meses e eu estaria perdidamente apaxonada. (eu só queria me proteger) Completamente, sabe como? acreditando em tudo o que fosse fruto de nós.
Eu sabia desde a primeira vez. Eu sei quando alguém é o escolhido pelos meus sentidos. A explicação eu não descobri, mas não procuro também. Não preciso de explicações porque sei ser. Mas os estímulos eu os capto e os decifro: era você. Porque criar laços, para mim, sempre tantas asas, era mesmo uma questão complicada. Sem contar também que acho um desrespeito imenso com as outras almas que se conectaram a mim, que souberam preencher o vazio. Sou fiel a elas por terem me dado estímulo, sangue, vida, dor e completude. Mas lhe digo agora que descobri que o vazio ainda existe - descobri que sempre existirá, sempre haverá fome. Aprendi também que é possível a criação de um outro plano, mais colorido e destacado, onde todas as frestas e cantos se apresentam luminosas e úteis. Existe ainda chocolate quente para o inverno nesse plano.
Era você e eu tinha medo que não fosse eu e então eu resolvi dizer para nos mantermos afastadas. Cortar os laços antes que se formassem os nós. Chorei porque já doía saber que não te cheiraria os cabelos, não te envolveria as costas ou beijaria a boca doce e desenhada. Você chorou. Não perguntei porque, deixei que o sentimento nos envolvesse ao máximo até que você gritaria, se esperneando, diria que me queria contigo ainda, que sem mim tudo estaria perdido, já que eu construí um eu seu durante esse pequeno tempo. Afinal, me reconstrui tantas vezes... Nasci diferente pra você ali, naquela praça que parece essa praça, parece que foi ontem... nasci diferente ali e me renasço todos os dias: me recrio, adaptando as formas e os contornos.
Expulsando as lágrimas e encostando o rosto no teu rosto molhado e aquelas suas lágrimas, de que seriam? imaginei que eram produzidas pela impossibilidade de ação, você se sentia parada, sem ter o que dizer, num espanto subito de tristezas e dúvidas. "Não tinha o que fazer", era a frase que poderia definir você visto pelos olhos de outros. Que culpa você tinha se minha fome nunca era saciada? E eu chorando abandonando as idéias ateístas e ceticistas e pedindo Oh Deus, Oh Deus, onde estás que não respondes? ou mandas essa menina agora gritar-me que me quer entre os braços ou terás sempre mais uma ovelha negra em teu rebanho.
-Vamos tentar mais um pouco? Sei lá, talvez o tempo..., você disse.
Só aceitei porque já era paixão, porque já eram nós
e eu, felizmente, sigo os meus instintos.

17 de junho de 2009

Antes mesmo que fosse consultar o celular para ver as horas, pensou nela. Tão doce sempre fora, tão sensível. Quis tanto colocá-la no colo tantas vezes. Plantaria todos os dias sementes de carinho, regá-la-ia quantas vezes fossem necessárias, tudo para que crescesse e desse frutos: florescesse a linda flor.
Se perguntava se ela ligaria, se ela lembraria desse dia. Mas uma vez tendo pensado em pensar em alguma coisa pra comemorar esse dia, não era possível que fosse tão falha a memória assim, então poderia perdurar o pensamento, que se transformaria em forma de contato: mandaria lembranças, pensava, mesmo que um quase nada cordial – o que já seria, de fato, para ela, de suma importância porque qualquer contato era sinal de sintonia.
Pensava nessas coisas antes de pegar o celular para ver as horas e se deparar com uma doce mensagem. Para os olhos brilhantes a vida. Às unhas tudo.
E aqueles sorrisos de sempre.
De fato, não se saberia explicar
Assim, em aberto, não se saberia explicar nada, sempre tão sem vírgulas ou pontos finais. Sempre reticências, ecos, duplas interpretações. É que existem coisas que não carecem explicação. Para quê? A cortina mais uma vez quase fechada, apenas um único espaço por onde entra um feixe forte de luz. Luminosidade para um quarto ainda noite. Lê, lê, relê. Decora as frases, pensa nas entonações, nas intenções, em sei lá o quê: pensava nisso, era certo, em como a pessoa poderia tanto invadir assim sua vida, sua casa, seus espaços e seus tempos e dominá-la por períodos indeterminados de reflexão e sorrisos. Absorvida, mas sorria. Não era bom que fosse assim? É engraçado isso. Meu carinho só aumenta quietinho aqui dentro mesmo sem conversas, encontros, convivência. Precisava? Engraçado e bonito. As palavras doces sempre me adoçam. Seus vestidos sempre me enfeitam. Seus ventos acariciam, as flores perfumam: tudo vira tranqüilidade. É engraçado isso, eu só quero que você esteja bem também, sempre
Sem pontos: sempre sempre sempre sempre
Pintou-se com purpurina porque brilhava.
Como se simplesmente saber da existência da outra fosse o que a fizesse sorrir. Saber que vivia, que era, que massageava os cabelos. Não pensava mais nisso tanto quanto no ano que tinha passado. Não poderia nem comparar, era exorbitante a diferença. Nesse tal ano eram rios e rios, as lágrimas, as vodkas, os cafés e o clima pesado liquefeito do apartamento. Uma vez estava escovando os dentes pela manhã. Abriu a torneira da pia e a água saía leve e transparente. Abria um pouco mais e a água agora era força e imposição. Disfarces. Se lembrava dela até por esses cursos corriqueiros da água, do ventilador, de uma luminária. Perdia-se assim fazendo comparações. Mas agora, passado tantos e tantos meses daqueles tempos difíceis, agora o pensamento vinha raro invadir a vida. Sempre tarde quando vinha, anoitecendo. Chegava devagar, como tímido por envergonhar-se em vir, coradas as bochechas, olhar acanhado. Vinha porque tinha que vir e não porque quisesse. Analisando bem, talvez fosse dito que nunca quis chegar, nunca quis se manter presente. Mas vinha porque era assim que seria. Chegava, então, o pensamento: acanhado no começo, até que se sentia confortável; percebia que era bem-vindo, que nunca os portões estavam fechados para ele, que a casa sempre aberta precisava mesmo de um preenchimento, precisava que alguém entrasse arrebatando tudo, que tomasse conta dela. Porque ela precisava que tomassem conta dela, mesmo que fossem pensamentos tortuosos – não é o caso porque desse pensamento que falo os caminhos não são tortos, são círculos entrelaçados a grandes estradas sem fim. Os círculos formam rodovias cruzando a linha infinita da estrada. E daí é que se justificam os desencontros: tantos caminhos...
E assim perdurava por horas: horas essas que ela não vivia senão com a cabeça afundada nos travesseiros já sem cheiro algum – porque não sentia quando as horas eram preenchidas desse jeito. Não sentia cheiros, dores, gostos. A cabeça afundada no travesseiro e o corpo miúdo em formato de concha lembrando a velha posição de dentro do útero. E lá ficava pensando, pensando, pensando: sentindo-se bem insorta naqueles pensamentos diabólicos; Como era possível que uma coisa assim perdurasse? Uma idéia abstrata de engrandecimento de um ser. Como era possível que grudasse a ponto de fazer perdê-la a vida assim chorosa e melancólica? Numa perfeita harmonia dentro dos olhos: as ilusões e alucinações e aquela coisa toda que ela achava da outra. Às vezes vinham lentos e demorados. Outras vezes vinham parecendo que durariam semanas, mas, num súbito, iam embora. Talvez fosse a vida um pouco turbulenta, a necessidade de sair e resolver os problemas, sabe-se-lá, deviam espantar-se. Às vezes, num súbito, iam embora, a menina abria os olhos, enxugava uma tímida lagrimazinha – que não se pode dizer se era saudade, se era tristeza, se era desespero, se era felicidade, se era amor. Enxugava a tímida e costumeira lágrima e seguia a diante, quase imune. Aceitara as imposições e agora lhe bastavam somente injeções não tão rotineiras de lembranças para que ficasse bem. Precisava de mais, se a vida andava em passos consideráveis, se o trabalho andava bem, se até tinha encontrado amores? Precisava? E seguia adiante maquiada para que não reparassem que havia ficado naquele estado por um tempo. Mas dentro dos olhos sempre ficava um vestígio de olhar banhado em mares. Quase imune. Era pensar, esquecer e continuar. A lembrança materializada em mares nos olhos. Imune... quase.

16 de junho de 2009

bêbada de mim

Preciso definir isso em mim; deixar o pensamento claro como os meus fios de cabelos na janela coloridos pela lua. Preciso porque isso não é apenas um limite. Não é nem um pouco limitação. Preciso saber se meus olhos agora podem ser rotulados de seus. A quem ou a que pertencem meus olhos quando se fecham? Abertos são escravos do que vejo: súditos, empregados. E fechados, de quem são? Por onde vagueia a visão escondida entre os cílios? Em você que se emaranham? Emaranhados de visões, sonhos, lembranças, quase vivências que inventei e agora não posso dizer com certeza se foi ou não foi, se realmente aconteceram. Aconteceram sim porque tudo o que me alcança existe, inclusive aqueles segredos meus que ninguém desconfiaria, inclusive o sorriso dos outros que observo calorosamente. São meus porque os enfeito. E os meus olhos? Saberás enfeitar os meus olhos? Suponho que sim e, dessa suposição, nasce a pura idéia.

Precisamos só esclarecer esse ponto, mesmo que eu seja a dona da noite, da lua, da janela entre-aberta coberta em partes pela cortina de seda. Tenho fome. Tenho sede. Tenho fome e sede de vida. Alguém me explica o sentido? Será que sei mesmo alguma coisa sobre o mundo? Será que sei expressar o que me passa? Porque ninguém nunca soube. Vivo dizendo isso: que quero me expressar. Consigo? Duvido muito. Me fecho todos os dias. Me expresso a meia noite, a meia luz, a meia xícara de café morno. Me exponho para mim, Quanta movimentação! Quantos carros e motores e fumaças nessas grandes avenidas e eu expondo-me como narciso para o espelho.

Porque a liberdade não é também um conceito que crio para justificar todas as minhas ações? Respiro porque sou livre. Faço compras porque sou livre. Vivo trancafiada nesse quarto porque sou livre, porque quero isso, porque abdico de sair na rua às vezes quando não tenho vontade: escolho. Escolhas... e em que mais se baseia a trajetória da vida a não ser em escolhas? Escolho dividir isso contigo, a minha liberdade. Sei que você a preza tanto quanto eu, sei que somos livres por instinto e quem tentar colocar rédeas não ganhará muitos frutos, sabemos.

Mas no instante de agora, no já, nesse momento de transição que vivo, nesse exato segundo – que passa, que não é mais, que se transfigura num outro seguido e ininterrupto: nesse exato momento em que te falo-, é o que quero: os laços. As pequenas amarras. Mesmo que amanhã não exista nada, nem sequer cheiros e dívidas: que tudo entre nós esteja quitado. Dane-se isso se hoje quero beijar-te a boca tantas vezes. A Pura idéia.

Bêbada de mim. Um brinde! Façamos, pois, um brinde a minha humilde pessoa.

14 de junho de 2009

em mim há ainda um céu maior

Porque para que aquela reunião de palavras todas fosse dita temerosamente e tremente, foram necessárias muitas conversas internas, muitos diálogos, muitos monólogos e quicá fofoquinhas, conversinhas, conselhos seus para ela mesma. Mesmo que não fosse calmo o jeito que dizia, que colocava os pensamentos e as idéias, aquelas coisas loucas que ela tinha, mesmo que colocasse assim bagunçado e embaralhado, era um grande presente que conseguisse mesmo dizer e continuar até que tudo tivesse sido dito, embora sempre falte alguma coisa. E tudo assim, puf, se perdeu no ar. Bolhas de sabão coloridas, lindas!, altas e intocáveis, que se estouram sozinhas e deixam apenas um cheiro bom no aposento que estava sendo abandonado. Afinal, ia-se embora porque o dia já chegara quase ao fim.

Dessa vez não vou olhar. Não vou levantar a sobrancelha direita mostrando que dentro de mim existem aqueles pensamentos perigosos. Não vou. Não vou esboçar o sorriso de pena de mim, um sorriso fechado como se fosse o sinal de que entendo bem tudo o que se passa; que dessa vez estou perdida. Porque existem coisas que não se dizem duas vezes, mesmo que essa coisa palpite a todo instante dentro do organismo, entranhada no corpo e na mente. Passou a oportunidade, passou o momento e não haverá outro ensejo em que eu seja capaz de dizer as verdades da minha alma, eu não teria coragem, porque é preciso coragem para a nudez clara da exposição dos meus mais delicados pensamentos - e cruéis, porque se dou de mim tanto, o que me sobra além do vazio? e, claro, da efemera, sempre efemera, felicidade de conseguir me expor, de arriscar, de mostrar-lhes tudo tudo, de pensar que, talvez, em mim 'inda haja sopro de vida, esperanças, impulsos. E o momento ensaiado, as falas decoradas... ralo. Ralo. É lá que estão as combinações de palavras que foram ditas vezes e vezes para o espelho. Lá, misturadas a cabelos, sujeiras, ratos. Lá estão minhas melhores palavras. A culpa é minha, de certo, que não soube - nunca sei de nada - calar-me quando foi preciso e não soube falar quando era necessário. A culpa é minha que despejei palavras enquanto sonhavas acordada.

Acende um cigarro; outro. Se despede sem olhar até que o ônibus chegue a esquina, aí olha, encontra o olhar, não consegue nunca cumprir a sina, os desejos, acaba sempre por se trair. Auto-sabotadora, é o que é. Anda perdida num bairro quase desconhecido. Só veio aqui duas ou três vezes, o que não fora suficiente para que decorasse as ruelas, os bares, as vestimentas dos transeuntes. Inerte. Anda, anda, meio atrasada e sem tempo, embora não saiba para quê. Para quê?, pensa. Para que possa fugir de uma mão imaginária gigante que a degola, uma mão-vento que não a deixa respirar. Degola, sim, e quase perde o ar. Apnéia. Fugindo, lembra-se que talvez uma praia no caminho de casa, uma praia silenciosa e vazia como a visitada no último fim de semana. últimos sopros e suspiros. É melhor que se vá, que ande mesmo sempre correndo. Como sempre, há de convir, como sempre sozinha embora entrelaçe as mãos às mãos de outrem.

Tenho a ousadia dos loucos, de deixar-me sentar quieta num canto, os pensamentos voando quase incomunicáveis. Deixar-me sentar numa pedra, pedra sobre pedra, bem pertinho do mar nessa praia bonita. Simples, solitária: bonita. E fitar o imenso azul do céu e suas imensas nuvens decoradas. É quase noite, quase escurece. Ousadia dos loucos: fitar assim as nuances que se modificam. E se penso parada deitada olhando esse simulacro de liberdade, essa redoma ilusoria de cor cativante, essa prisão que chamamos de céu - porque não é possível atravessá-lo, porque não vai ser possível nunca tocar as nuvens com os meus dedos - se olho esse céu inteiro, cheio de alegria e, agora, quase dor - porque as nuvens se dissipam, se fundem, perdem-se-; se olho tudo isso e penso que talvez não existam saídas, é porque também eu sou cadeia. também eu sou prisioneira. (e fim, é o que vejo. e entre as grades as cores são mais belas)
As nuvens brancas e amarelas e róseas; começa a doer e o céu cinzento mostra sua face. Começa tímido, cinza claro, depois se impõe em um grafite, marinho, o negrume que prende e engole os olhos, os meus olhos. E se penso parada deitada olhando as pequenas estrelas que surgem, que fingem vida mesmo depois da morte, se olho tudo isso e penso, imagino que eu tenha forças ainda. Devo ter forças para achar em mim alguma solução, se é que existe solução para os meus pensamentos perigosos. Que meus olhos captem os contornos do céu, mas em mim há ainda um céu maior. Em mim cabe tudo o que vejo, tudo o que penso, tudo o que sinto; eu só preciso de força.
Anoitece. Anoitece e caminha vagamente pela praia, conchas e mais conchas de desejos, de dores, amores estraçalhados, dúvidas-sempre essas dúvidas-, amores, amores, amores. Vai embora do seu lugar, do seu refúgio e pensa quem sabe em dizer mais uma vez, quem sabe em continuar com essas perigosas vontades de mostrar-se e expor de si ao máximo. Porque não há regra, as coisas podem ser ditas quantas vezes forem necessárias. Mesmo que doa, mesmo que dê demais, mesmo que sobre o vazio inerente. Um dia algo preenche, um dia chega o preenchimento; é melhor que deixar que se acumulem as mágoas e as esperanças presas dentro da pele.

7 de junho de 2009

na ponta dos dedos

- Ahn? o que que eu to pensando agora? não sei, talvez... Não sei como começar talvez eu nem tenha que começar nada talvez seja melhor o silêncio por horas e só a respiração sendo ouvida no confessionário que se tornou esse quarto tão cheio de vivências e de pensamentos. dizem que pensar demais é um problema e deve mesmo ser porque estou aqui pensando se devo falar alguma coisa ou aproveitar esse momento "de mel e sangue" e aproveitar num silêncio profundo e você nunca saberia essas idéias todas, mas eu não sou assim, você sabe, prefiro falar prefiro tentar entender como tudo isso me consome. assim, é que Eu gosto de pessoas densas, não tem jeito. Pessoas que expõe a alma brilhantemente em olhares palavras gestos. Eu gosto de pessoas densas e eu fico tão feliz quando encontro alguém assim alguém que entende exatamente essa mistura de máscaras e máscaras e a eterna busca de tudo o que está por trás dos alicerces sociais você entende eu gosto do inusitado do verdadeiro do sentido daquilo que te dá um soco no meio do peito e te faz respirar de novo bem de dentro um sopro de ar que dá vida que é um dos poucos momentos em todas as milhões de horas em que você pára e pensa é por isso é por isso que eu vivo pra ter essa certeza assim de que vale a pena se entregar de que vale a pena se doar de que por deus se eu estiver mentindo por deus eu não falaria mentiras sobre isso que vale a pena vale a pena mesmo que depois voces nunca mais se vejam porque a vida tem isso a vida tem isso de dar sumiços em pessoas em histórias em possibilidades de amor e de relações maravilhosas deixo que a vida faça isso por mim mas não deixo não isso eu não deixo de jeito algum que se percam essas parcelas mínimas de epifanias de certezas de operações doloridas de aprofundamento onde você entra lá no fundo e tira o que mais te dói ou o que mais é importante ou todas as suas fantasias suas viagens sua tola imaginação e consegue expurgar isso vomitar dividir consegue olhar nos olhos de uma outra pessoa e mostrar pelos teus a tua alma voce entende entende o que eu quero dizer quando digo que eu nao viveria sem essas coisas porque eu deixo que a vida faça suas trajetórias loucas mas eu não deixo de dizer e te perguntar o que fazer contigo o que eu faço contigo comigo com isso tudo que se criou aqui dentro eu te pergunto eu te pergunto porque eu sei que essa pode ser a última, pode ser a segunda, a quadrigésima, porque a gente pode anos e anos e do nada num repente num click de uma câmera fotográfica num segundo contado de relógio um pequeno assobiar de um pássaro num segundo meu bem tudo muda tudo se esvai tudo some e teus traços tão doces tua pele tão quente que está aqui agora sendo tocada pelas pontas dos meus dedos essa pele que eu tento decorar que eu tento captar com as pontinhas todas as falhas as dobras as pequenas perfeições que você sabe que eu acho isso mesmo e teus traços profundos logo podem estar bem longes de mim bem longes de tudo o que somos fomos poderíamos ser um dia depois ainda não sei não sei nem mais sobre o que eu estou falando mas eu quero que saiba isso que eu gosto que eu gosto de pessoas densas que foda-se foda-se se amanhã tudo der errado. foda-se não, eu me importaria se as coisas fossem por caminhos tortos mas foda-se se a culpa disso se é que podemos culpar alguém desses movimentos repentinos essas revira-voltas profundas essa mudança de sentimentos que acontece e que ninguém tem culpa, não, não disso, dessas mudanças, desse desvio dos cursos e dos destinos mas mesmo que a culpa da tua futura ausência do vazio que mergulharei com a falta dos teus traços dos teus lábios do teu cheiro da tua pele mesmo que a culpa seja sua que você decida que você queira se desgarrar que você não aguente mais tanto carinho tanta atenção tantos olhos brilhando aí eu vou entender eu não vou te culpar mesmo que a culpa seja sua e entenda é aí que é o ponto principal eu não vou deixar de te perguntar o que fazer contigo comigo com tudo isso que criamos eu não vou deixar de olhar nos teus olhos e dizer que é isso que eu quero que eu poderia ficar aqui por tempo indeterninado que eu se pudesse diria a todas as pessoas do mundo que não existe nada a se procurar que as coisas chegam as coisas surgem é tudo um achado tudo uma grande coincidência criada pela nossa grande e reconhecida diretora vida é tudo um ciclo uma hora se acaba uma hora volta. círculos são infinitos rodam rodam rodam mas talvez seja uma série de círculos, um entrelaçados de círculos em que você vive um roda gira volta vive outro pula salta não volta ao primeiro círculo nunca embora toda a vida sejam círculos os círculos mudam mudam as pessoas as histórias os amores mas é tudo sempre igual sofrendo chorando tentando entender o motivo de alguma coisa mas o que importa é essa chama aqui dentro agora enquanto teu sorriso se apresenta aos meus olhos à minha alma às minhas loucuras sãs de um dia qualquer o que me importa é essa chama que se acende quando eu descubro as possibilidades que a vida pode me dar esses momentos essas sensações essa densidade essa intensidade essa busca essas histórias sempre entrelaçadas e bizarras e interessantes e que são engrenagens para que seja possivel a existência, então é tudo isso mais ou menos talvez bem menos porque eu não sei me expressar direito é tudo isso que importa pra mim agora meu bem que tua pele respire ao lado da minha.

1 de junho de 2009

na esquina do inferno.


Fazer bem feito, era o que queria, que as coisas corressem bem. E por "correr bem", através de seu ponto de vista, entenda-se algo como cenas de um filme romântico, um drama bem sucedido, entrelaçadas a cenas tensas de paixão descontrolada: cobranças, ciúmes, brigas consecutivas: instabilidade; que, afinal, é necessário, ainda através das suas experiências ou de um desejo do subconsciente, afinal é necessário para mantê-la sempre alerta, certa de que tudo poderia mudar em um pequeno intervalo de tempo.
Não seria pega de surpresa se os cursos dos rios mudassem num repente sua direção, não mais. Estava prevenida, isso era certo. Sabia que mesmo sem fatos sólidos e palpáveis, tudo era passivel de mudança - sempre havia sido assim até então e agora tudo correria bem porque dessa vez sabia da fugacidade da vida.
As coisas precisam correr bem, é o que ela pensa agora. Está na praça da Sé permeável ao ambiente. A cadeira gruda na calça desbotada, o barulho dos pássaros e dos passantes pouco a pouco invade o ouvido preparado para tais sons. Ela agora é uma mulher prevenida.
Faz frio e a fumaça quente do cigarro preenche calmamente seus pulmões tentando livrá-la de um congelamento artificial. O corpo parado, a mente pensante, as mãos enroladas na manga do casaco de lã, que fora presente de alguém no aniversário passado. Não é o que acontece graças ao movimento contínuo das mãos até a boca, indo e vindo num ciclo de sete cansáveis minutos. A protegendo, talvez.
Um arrepio percorre todo o corpo coberto. Talvez medo, porque viver assusta. Talvez para que haja um tremor inicial e depois a revelação de uma verdade mais profunda -mas o que? Talvez um arrepio bobo qualquer pelo frio, pelo nervosismo, pela ansiedade, porque agora sabia o que viria: o término. O término bem feito. Antes que ele dissesse qualquer coisa, ela diria que entederia, que realmente a relação não andava lá muito bem, que talvez seria melhor mesmo cada um no seu canto, quem sabe poderiam ser amigos quando essa maré ruim pós relação passasse? Deveria ser assim, afinal sabiam tanto um do outro. Diria tudo isso e iria embora: não feliz, talvez realizada por ter feito o que deveria depois de tanto tempo. Mas não.
Levanta do banco de cimento frio da praça da Sé. Os passos lentos e desconcertados pelos paralelepípedos tortos. Ela torta também, meio aflita agora. Chega em casa e percebe que há uma mensagem na secretária eletrônica. A casa é quente e agora a temperatura dá medo. Próximo ao inferno, pensa, talvez quase lá, na esquina do inferno. Tinha certeza que era ele porque... não tinha motivos para a certeza, simplesmente Sabia. Nos segundos que se sucederam antes que apertasse o botão pra ouvir a mensagem, quase morreu. Queria ter feito isso antes. Não é possível que ele tenha sido covarde a ponto de terminar assim: deixando uma mensagem qualquer.
Feito. Mas ela estava preparada. Apagou o recado frio daquele que chamava de namorado por um longo tempo. A gente nunca conhece as pessoas mesmo, pensava, um rosto meio amuado, choroso, disforme. Mas é um outro tempo, ela agora não precisa de escândalos, de respostas, de nada. Olha-se no espelho.
Que se danem os dois, foda-se, grita, que se comam! No pior sentido, eu digo, o sentido antropofágico mesmo. Pára de falar por dois minutos, olhando os olhos raivosos no espelho. Se piquem em pedaços, vocês dois. Torrem suas carnes brancas até que fiquem avermelhadas e torradas, então comecem o jantar pelas extremidades: as mãos, os dedos, os pés, a cabeça e seus miolos. A sobremesa fica por último, claro, talvez as partes genitais. Deixem a boca para mais tarde também para que possam comer todos os pedacinhos ainda vivos de corpos mortos. Em gritos, em prantos: Descontrolada. Comam-se, animais, e não me peçam opinião, não venham contar-me essas histórias - havia na mensagem, ainda com aquela voz doce dele, divagações sobre ele ter feito a melhor escolha, ter voltado para aquela outrazinha - poupem-me de imaginar o jeito que vocês suam juntos. Meu único desejo é esse: que se comam vocês.
Depois, tendo parado com as confissões e com os gritos e com a choradeira, tirou as roupas e a capa de ódio. Despiu-se dos acontecimentos e relaxou. Ela agora era uma mulher preparada, afinal. Fodam-se os dois. Dormiu calmamente sabendo da possibilidade imensa de vida que teria no dia seguinte.

26 de maio de 2009

a morte diária

Sangra tanto saber demais. Sangra tanto agora que já não diferencio essa colcha, que era branca, da colcha vermelha que tenho no armário. Sangra e tudo é forte e intenso e preciso. Sangra a alma em feridas que serão cicatrizes. Em breve, não sangrará mais durante umas vinte e quatro horas. É sempre assim quando me dou conta do vazio que é estar em mim. Chego em casa todos os dias na esperança de não ser esmagada pelas horas enquanto espero, sentada no sofá, cigarro entre os lábios, litros e litros de água - porque eu preciso repor, porque eu sangro, porque eu tenho sede - e olhando, com os olhos fechados, a cena que agora se instala cruelmente no consciente.
Como se eu olhasse uma fotografia: eu, ali, no canto do sofá, soltando uma fumaça expessa draconiana. Sempre acontece quando estou só: me afundo nesses tentadores delírios, san-gran-do; como se o pensamento fosse um pássaro e a mente um grande céu azul. E, de repente - porque eu nunca prevejo quando esses ataques vão se apoderar de mim-, o céu se torna uma grande boca com dentes afiados - não mais azul, meio opaco, quase uma boca cinza escuro-, nuvens dentes, um espaço ilimitado de liberdade, mas cheio de riscos e perigos. Eu, instintivamente, deixo que o pássaro voe ininterruptamente entre os dentes, as cáries, a saliva grossa e pesada.
Às vezes o céu vira campo de batalha e o pássaro não passa de um soldado em meio a tantos outros. Talvez um pouco diferente: um soldado heróico, desses que correm, atiram, se escondem; se safam, diremos assim. Lutam desesperadamente pela vida sem saber o que fazer com ela depois. E sangram, no final, até a morte. Sempre desperto antes da morte do pássaro, do soldado e de tudo o que sou quando fecho os olhos. Quando a realidade volta, a crua e cruel realidade!, quando consigo diferenciar o barulho do ventilador do barulho dos vizinhos, da televisão, dos móveis no andar de cima, da vida; ainda há sangue jorrando. Como uma fênix, conseguindo se manter viva depois de tanta perda, depois de virar pó, gosma, restos, poeira, que seja, não importa. Sempre voltando a tornar-se o que era antes da pequena morte. Diariamente, a morte na espreita, esperando.
Sangram tanto a pele cortada e as feridas abertas. Sentindo a vida sobre mim, fora dos ataques imaginativos, levanto e pego um pano branco a fim de limpar a sujeira. O sangue quase estanca e o tecido se regenera calmamente. Em breve, não haverá mais dor, somente baldes e baldes de mágoas vermelhas. Ainda tenho a esperança de que essa qualidade questionadora dos meus momentos não me assalte mais. Vã esperança. Amanhã, depois e depois de manhã e depois e depois no futuro sempre assim a vida o sangue a dor
a morte diária.

25 de maio de 2009

como isso acontece?

Como pode isso de duas vidas não se cruzarem mais? os olhos não se encontrarem? como pode uma pele não se desgarrar dos ossos pra ir junto, como um instinto, atrás da outra pele (que era uma só, era o limite dos dois...aquelas carnes que pareciam impedir a união completa)? como isso acontece?
Você tem noção da melhor sensação do mundo? Quando o orgulho ultrapassa o controle, o coração infla e os movimentos são menos mecânicos? Quando você percebe que passou, que agora está imune. Então eu estava lá toda segura de mim, toda superada, agora sim, estou com outros, estou bem, estou melhor, esses pensamentos, toda confiança, posso dizer. Mesmo que um pouco insegura por dentro, o meu corpo fazia entender que eu estava bem. Assim: simples. Simplesmente bem, com os meus projetos e meus sonhos que ela tanto sabia. E eu levanto daquela mesa que era uma das nossas mesas, que são ocupadas por outros e outros que eu nem conheço, e eu sento ali ultimamente com desconhecidos, e agora também, já que você me desconheceu. Aí dessa mesma mesa que eu tanto gostava, eu levanto. Vou embora, digo, resolver algumas coisas, encontrar algumas pessoas. Mesmo que eu não tenha nada mais a fazer, eu não posso ficar aqui. Vou fazer qualquer coisa que não seja ficar olhando pra essa sua carinha que me dá nojo. Eu que tinha olhos iluminados que só olhavam você, com aquele sorriso de orgulho estampado, agora eu sei, sua Louca. Louca, louca. eu tenho pena de você. Eu sei que você vai acabar sentada na sua casa vazia com umas três ou quatro garrafas de vodka vazias e os cinzeiros cheios e os pacotes de cigarros também vazios e você vazia e a vida vazia e o tédio, o desespero e a solidão eterna, como você sonhou. Eu sei dos seus medos agora, vejo-os todos com aquela pitada de pena. Por um ou dois segundos eu penso que eu poderia salvar você, mostrar o meu mundo cheio de cores, mostrar a você algumas flores, umas exórias, flores bobinhas, avencas, bromélias, margaridas. E no terceiro segundo, a balançada da cabeça pra expulsar essas idéias nostálgicas de dentro de mim. Sua louca, agora eu entendo tudo por detrás dos seus olhos doentes.