Sangra tanto saber demais. Sangra tanto agora que já não diferencio essa colcha, que era branca, da colcha vermelha que tenho no armário. Sangra e tudo é forte e intenso e preciso. Sangra a alma em feridas que serão cicatrizes. Em breve, não sangrará mais durante umas vinte e quatro horas. É sempre assim quando me dou conta do vazio que é estar em mim. Chego em casa todos os dias na esperança de não ser esmagada pelas horas enquanto espero, sentada no sofá, cigarro entre os lábios, litros e litros de água - porque eu preciso repor, porque eu sangro, porque eu tenho sede - e olhando, com os olhos fechados, a cena que agora se instala cruelmente no consciente.
Como se eu olhasse uma fotografia: eu, ali, no canto do sofá, soltando uma fumaça expessa draconiana. Sempre acontece quando estou só: me afundo nesses tentadores delírios, san-gran-do; como se o pensamento fosse um pássaro e a mente um grande céu azul. E, de repente - porque eu nunca prevejo quando esses ataques vão se apoderar de mim-, o céu se torna uma grande boca com dentes afiados - não mais azul, meio opaco, quase uma boca cinza escuro-, nuvens dentes, um espaço ilimitado de liberdade, mas cheio de riscos e perigos. Eu, instintivamente, deixo que o pássaro voe ininterruptamente entre os dentes, as cáries, a saliva grossa e pesada.
Às vezes o céu vira campo de batalha e o pássaro não passa de um soldado em meio a tantos outros. Talvez um pouco diferente: um soldado heróico, desses que correm, atiram, se escondem; se safam, diremos assim. Lutam desesperadamente pela vida sem saber o que fazer com ela depois. E sangram, no final, até a morte. Sempre desperto antes da morte do pássaro, do soldado e de tudo o que sou quando fecho os olhos. Quando a realidade volta, a crua e cruel realidade!, quando consigo diferenciar o barulho do ventilador do barulho dos vizinhos, da televisão, dos móveis no andar de cima, da vida; ainda há sangue jorrando. Como uma fênix, conseguindo se manter viva depois de tanta perda, depois de virar pó, gosma, restos, poeira, que seja, não importa. Sempre voltando a tornar-se o que era antes da pequena morte. Diariamente, a morte na espreita, esperando.
Sangram tanto a pele cortada e as feridas abertas. Sentindo a vida sobre mim, fora dos ataques imaginativos, levanto e pego um pano branco a fim de limpar a sujeira. O sangue quase estanca e o tecido se regenera calmamente. Em breve, não haverá mais dor, somente baldes e baldes de mágoas vermelhas. Ainda tenho a esperança de que essa qualidade questionadora dos meus momentos não me assalte mais. Vã esperança. Amanhã, depois e depois de manhã e depois e depois no futuro sempre assim a vida o sangue a dor
Às vezes o céu vira campo de batalha e o pássaro não passa de um soldado em meio a tantos outros. Talvez um pouco diferente: um soldado heróico, desses que correm, atiram, se escondem; se safam, diremos assim. Lutam desesperadamente pela vida sem saber o que fazer com ela depois. E sangram, no final, até a morte. Sempre desperto antes da morte do pássaro, do soldado e de tudo o que sou quando fecho os olhos. Quando a realidade volta, a crua e cruel realidade!, quando consigo diferenciar o barulho do ventilador do barulho dos vizinhos, da televisão, dos móveis no andar de cima, da vida; ainda há sangue jorrando. Como uma fênix, conseguindo se manter viva depois de tanta perda, depois de virar pó, gosma, restos, poeira, que seja, não importa. Sempre voltando a tornar-se o que era antes da pequena morte. Diariamente, a morte na espreita, esperando.
Sangram tanto a pele cortada e as feridas abertas. Sentindo a vida sobre mim, fora dos ataques imaginativos, levanto e pego um pano branco a fim de limpar a sujeira. O sangue quase estanca e o tecido se regenera calmamente. Em breve, não haverá mais dor, somente baldes e baldes de mágoas vermelhas. Ainda tenho a esperança de que essa qualidade questionadora dos meus momentos não me assalte mais. Vã esperança. Amanhã, depois e depois de manhã e depois e depois no futuro sempre assim a vida o sangue a dor
a morte diária.