30 de julho de 2009

descoincidências

Antes era a expectativa, o despertar do reconhecimento do outro, dos olhos do outro, do cheiro do outro, da pele do outro. Antes a espera alegre e calma, as horas que eram minutos, o café que nunca demorava porque existiam preenchimentos, conversas, gargalhadas, filmes preferidos e pão de queijo. Às vezes cerveja, vodka, rum e drinks, principalmente sex on the beach. Brincavam com nomes, faziam paródias. Teatralmente interpretavam seus personagens preferidos num grande palco que era o quarto não muito iluminado.
Agora o ônibus demora a chegar porque os afazeres são mais importantes. Agora eles ficam dois, três, quatro minutos no silêncio antes que engatem de novo em assuntos corriqueiros. Constrangidos, ambos. Os dois não sabem onde aquilo tudo foi parar, não sabem se eram falsas as coincidências, se os olhos brilhavam meio fosca e toscamente; não sabem em que momento se perdeu a cumplicidade, a vontade, a doce comparação entre os poemas escolhidos do Pessoa. Agora os dois voltam pra casa com a certeza de que não haverá próximo encontro e a angústia permanente: como se perde assim a empatia e o desejo?

24 de julho de 2009

E eu, que de princesa tenho só os sonhos

Insistiam nisso, todos os meus parentes, em perguntinhas feitas com más intenções: e o namorado, quando vem? vovó começava, sempre falando em bisnetos. pois é, já está uma mocinha, tia valéria completava, geralmente quando nos reuníamos as mulheres na cozinha de azulejos azuis, isso quando eu ainda não passava de uma menina de quatorze, quinze anos.Eu nunca quis que ele viesse, sem saber ainda as feições, mas como havia de ser: forte e destemido, num lindo cavalo branco. Nunca tive essas pretensões, esses desejos. Tantas o queriam e eu simplesmente dava de ombros. Que chegue pra vocês isso, se existir. Esperem. Eu, que de princesa tinha só os sonhos, acostumei-me em pentear os cabelos em frente a penteadeira, que ficava ao lado da janela.
Ouvi os pássaros.
Todas as noites, enquanto tirava as presilhas que prendiam o cabelo num coque alto e robusto, eles vinham. De início, não me dei conta. Uns cinco ou seis dias depois, como que acostumada inconscientemente, olhei os bonitos passarinhos verdes que ficavam indo e vindo, da árvore à janela. Vinham com pequenos piados, até que faziam música dessas que imploram e pedem
clementes por respostas, foi aí que o reconheci, o canto dos pássaros.
Também me alimento do que falam-me as flores.
Essa descoberta não foi um reconhecimento demorado como o dos pássaros - lembrando sempre quão relativo e ilusório é esse Senhor Tempo-, foi como algo imediato, que eu já premeditasse por tempos a fio sem me dar conta de que poderia um dia colocar em prática. No jardim, pela tarde, sempre havia pessoas numa incrível Ode ao Belo. Eu, no cantinho, olhando também - no meu incrível ode ao belo, mas eu era diferente. Numa manhã, em nosso primeiro encontro à sós, fui confiante de que teria, sim, bons resultados, visto que sempre me olhavam cheirosas e sedutoras. Então apresentei-me, e logo a coragem esvaia e o bochecha rosada e a cabeça baixa, como se pedisse desculpas pela ousadia, até que elas me interromperam. Veja: As rosas falaram-me coisas doces e, como o sol tocava levemente as pétalas e um vento frio percorria, eram palavras doces em fagulhas que se congelavam; eram coisas muito profundas, os segredos das rosas.
Acostumei-me a natureza, sou íntima da madrugada e posso ficar dias e dias matutando uma idéia: quando ela virá? Decifro o canto dos pássaros, as rosas me contam segredos, a lua, geralmente quando crescente ou cheia, sauda-me na janela com um luminoso raio que enfeita o quarto lilás com o prateado dançante. Que mais tenho eu de fazer para que ela venha? Que ela venha assim, de cabelos soltos, sem cavalos, sem brancura. que ela venha terna com os sorriso que só as princesas sabem ter. E eu aqui, que de princesa tenho só os sonhos e os pássaros e as flores e a lua.

esses remedinhos e

começo a sentir. Merda. E eu que pensava que isso demoraria a vir. Assim, de novo, dessa forma esdrúxula e friorenta. por vezes, pensei que eu tivesse conseguido Enterrar O Passado, como se tudo não fosse menos que uma fumaça distante, uma terra onde eu nunca mais colocaria os pés. ah, esses pensamentos tolos.. a verdade é que começo a sentir esse frio, esse vento, essa brisa de beijo gelado na pele. não vê que isso tudo é você? tudo isso me faz ficar aqui parada olhando essa mobília, e naquele dia tinha toalha de mesa bonita, tinha cortina nova, vinho antigo que eu havia guardado por tanto tempo, tinha uma luz avermelhada, tinham nossas taças na mesa coberta, música, música, música para preencher os nossos silêncios, e ventava tanto, porque era inverno e costumava ventar quando deixávamos as janelas abertas então íamos pra varanda olhar a vista daqui de cima, do décimo andar, nós duas ali olhando a vida passando daquele pessoal lá embaixo, aquele vento que tocava na sua pele e na minha, tudo isso é você. foi com o drama que chegaste pra mim naquelas noites frias que me fez assim presa prisioneira, e é aqui que eu estou agora, na mesma casa que antes era tão colorida, exatamente nos mesmos lugares eu deixei os móveis, você acredita?
ó, eu to te falando, acredita, meu corpo já dá sinais de fraqueza, meu corpo sente perfeitamente tua ausência, mesmo que eu tente enganar a mente e o coração, mesmo que eu acorde, continue fazendo o café, torrando o pão com manteiga e sentando na mesa pra ler o jornal e conversar sozinha, ouvir uma música, de repente sair de casa. mesmo que eu enfrente essas coisas que parecem bobas... não importa, não as quero mais como rotina, eu te digo que não me acostumo e pronto. tudo parece estranho por aqui e, mesmo que eu me engane, enfrentando os dias corajosamente, que é o que venho fazendo nesses últimos longos meses, mesmo que eu me engane uma hora ou outra meu corpo joga na cara o frio e a solidão dessa casa que agora me é
quase irreconhecível. aí fico imóvel, deixo o processo de Me Acostumar À Ausência E Encarar A Vida de lado e a única coisa que encaro são os meus dedos parados ainda sob uma manchete qualquer que nem sei do que se trata, e depois os olhos varrem as sujeiras embaixo da mesa, as teias nos cantos dos teto, de novo o dedo sob o jornal, as unhas todas roídas e descascadas e começo a falar com voce, onde quer que voce esteja. hein, gabrielle, como voce está hoje? faz frio? é melhor voce se agasalhar. lembra aquela vez em que estavamos em sao paulo? fazia um frio danado e voce ficou com aquela rinite alergica que você sempre teve. ah, gabrielle, espero que onde quer que você esteja, ainda tenha contigo um pouco da chama do que fomos, eu estou ficando doente de esperar, eu sei que não devo esperar nada, eu sei que isso já faz tanto tempo, mas se ainda houver em você algum vestígio de mim pelo travesseiro, pelas dúvidas, pelo sorriso esboçado quando você encontra algum vinil dos beatles e inevitavelmente pensa em tudo isso, ah, se ainda houver essas coisas assim com você, por mim fica tudo bem. eu continuo Tentanto Encarar A Realidade por mais tempo, até que essa mentira toda se torne uma grande verdade e eu consiga viver de novo como era antes de ter tudo o que tivemos. eu me contento assim, quando faço do ambiente o mesmo ambiente que era antes, é só eu fechar os olhos, gabrielle, que eu enxergo tudo de novo, que eu me lembro dos sons, das cores, dos cheiros - e eram tantos cheiros que às vezes me perco e confundo, mas a mistura ainda assim é boa e me traz uma lembrança que, ah, gabrielle, se você soubesse. Depois tudo passa, essa angústia toda, o inverno vai embora e eu sou, sim, como você sempre dizia, uma mulher corajosa; e não vai me faltar coragem dessa vez, eu vou seguir em frente, gabrielle, querendo ou não, eu vou seguir em frente porque eu devo isso a você, eu devo me manter aqui para que você não se preocupe,
eu estou muito doente, mas eu vou ficar bem, tudo ficará bem em breve, gabrielle,
não teremos mais problemas,
são só esses remedinhos e

12 de julho de 2009

Ninguém é páreo para as nuvens.

Tento pertencer-me nesse vazio. Já descobri teu entre, o viscoso branco de nossa liberdade, a fluida matéria do abuso nos campos e na entrega dolorosa num confessionário de uma Igreja. Leio a tua fome,
E o meu entre, onde está, se só me permeio? Nunca adentro; sempre beiradas impermeáveis de feto em formação e beiradas impermeáveis de carniça a espera do fim. No meio, no impenetrável entre. Sou, por hora, mais um cigarro enquanto ainda ouço a melodia. Depois o silêncio transitório da obrigação de esquecer-me em sonhos e plumas. Nuvens! Nuvens de poeira e pensamento beirando o excesso ao acordar. Nuvens que não são de algodão-doce. O Sol não queima as nuvens; elas se dissipam quando querem, cúmplices dos ventos, não do Sol, que pensa que é rei - e pode mesmo ser, mas não para as nuvens. Ninguém é páreo para as nuvens. Sinto as horas acumularem dúvidas e dívidas, sinto-me em torno de duas horas da madrugada, sinto o simulacro de invólucro que separa o real da minha ilusão cotidiana. Sinto a fome gulosa que tenho. Estou alimentada, mas não saciada. A pouco acordei assustada, posto que o sono havia sido furtivo numa tentativa de não-ser enquanto ser era exatamente o que era preciso. Desconcertada, me atirei na luta da existência: fiz um café. Pó negro e escuro como que filtrando a água limpa e clara: misturas e gostos e cheiro. Fiz meu café, sou humana - digo a mim, ao espelho, ao ver a fumaça que se apresenta sob a xícara e mais além. Essa fumaça mesmo sou eu, uma breve tentativa. Tento consumir o máximo dos dias e, no entanto, uma breve tentativa de esboço em nuvens. Mas ninguém é páreo para as nuvens.

10 de julho de 2009

A vida desperdiçando-se em fumaça no quarto

(eu tinha desistido de postar só porque ficou grande, mas resolvi colocar assim mesmo)

Para as duas,

que estão distantes,
mas se eu pudesse etc etc

Mais uma na multidão, mas sabia que tinha sido destinada a algo grande e importante. Ainda não sabia o que era, mas desde sempre esperara que algo explodisse. Esperava ainda agora, enquanto, mesmo sem dinheiro, ia para a faculdade federal do rio de janeiro cursar as matérias legais e as matérias chatas da graduação em letras. ainda assim, disposta a aprender, a escrever, a passar as horas ditas desperdiçadas em frente a máquina que colocava forma nas suas ideias, os dedos amarelados, o cigarro na boca, as bitucas no chão, tudo corrido e sem tempo tentando se preparar para quando houvesse aquilo tudo: a explosão.
Estava sempre assim, sem um real na carteira, conseguindo pagar seus vícios sabe-se-lá como; não parava pra pensar nisso. Quando percebia que sempre andava a beira da pobreza total, sabia que tudo não passava de águas ruins, que sempre conseguia se safar, que isso só confirmava o fato de que era uma predestinada. Nada lhe faltava para a hostil sobrevivência, mas o anseio e o desejo pela real significância da vida lhe faziam acreditar e confiar que a fome realmente crescia, que as idéias não cabiam mais naquele ambiente, que tudo era pequeno e envolto por cobertores pesados; queria, mesmo, era acreditar ainda mais que poderia descobrir, tirar o cobertor, deixar o que é pequeno crescer sem controle.
Todos os dias agora começavam depois das três da tarde. Acordava pelas nove da manhã, fazia um café, fumava dois ou três cigarros, ligava a TV e ficava assim olhando as figuras coloridas que se faziam na tela nos canais infantis. Ficava por um tempo, se cansava, deitava na cama e ficava ali, inerte, quietinha. Era inverno, mas o sol invadia ferozmente o quarto, esquentando. Deixava-se esquentar por inteiro, camisolinha de seda verde, olhos fechados maquinando uma saída. Chegaram as férias e junto com elas, o tédio. Porque sempre andara de um lado para o outro, nos últimos anos, aguardando ansiosa o próximo desfeixo, preparando os produtos para serem expostos, esperando que o fim de semana chegasse, que a Giovanna chegasse, que saísse o dinheiro do último trabalho, que a mãe fizesse a comida do jantar. Agora nada disso viria mais: estaria em paz por um mês. Mas como? teria que conseguir se isolar ou estaria morta, pensava. Sempre extremista. Ou consigo agora alguma coisa ou fodeu, tomo mil remédios uma noite e na manhã seguinte não acordo nem com uma voz doce nos ouvidos.
Oh, tempo, como és cruel com seus súditos, os humanos! Como escapas ferino pelos dedos e iludes nossos sentimentos, modificas e destrói. Tu, ó tempo, tens o poder maior de controlar essas vidas medíocres.
Querendo dormir, mas mil pensamentos a perturbavam. Não era uma perturbação ruim, apenas a perturbava porque andava sem tempo antes. Os dois amigos com quem dividia o apartamento não paravam de falar sobre as notícias do dia, tributo a michael jackson, novo programa na televisão, a estréia de uma peça, o pneu do ônibus que furou, sei lá mais o que. Ela só pensando, perturbada, em como seria se tivesse dinheiro o suficiente. Se morasse sozinha. Se estivesse sem amores. Como seria se agisse como uma louca apenas por uma boa história para um livro? Saberia que seria diferente se sua vida andasse como há alguns tempinhos atrás: três anos, quatro, algo assim, quando ainda não tinha muitos compromissos e o espaço na agenda tinha de sobra. Agora não: correria, prazos, cursos, aspirações grandes que a moviam sempre correndo tic tac tic tac, Era férias, então tudo isso parecia passado, embora fosse ainda a primeira semana sem a faculdade, antes tirando os saltos altos ao chegar em casa, colocando o batom vermelho antes de sair, retocando o esmalte, o velho e bom pó de arroz, blush rosa, ajeitadinha no cabelo e ia toda serelepe esperando o futuro. Se fosse como antes, poderia ao menos encontrá-las. As três eram de ambientes diferentes, sabiam. Distantes geograficamente, mas as poucas coisas ditas eram motivo de olhos brilhando. Não era amor, não é disso o que falo. Ou era: amor pela vida. Tinham um elo. As três, eu diria, embora não houvesse a fiel convivência. Porque estavam mesmo ligadas por um fio invisível de visceralidade que não seria desfeito assim tão fácil, visto que somente elas podiam enxergá-lo tão firme como este se apresentava.
Agora o vazio ficava já que não tinha mais prazos. Só o vazio e o tédio e aquela vontade faiscando de que devia se arriscar, como sempre dissera aos amigos.
- Mas eu tenho medo. Sabe aquelas situações que parecem intocáveis e bonitas justamente porque elas existem, apenas isso? Como se acontecesse dentro de uma bolha, brilhando em volta, mas são tão frágeis, estouram por qualquer influencia externa na vida real. É por isso, aqui temos os nossos limites que nos separam dos outros, esses limites nossos. E aí eu tenho medo dessas influências, dos vínculos que podem alterar o percurso. Mas enfim, que a bolha se estoure, qual o problema, não é verdade? Eu estou viajando, eu sei, mas faz sentido. Eu quero ver vocês, mas eu não posso. Que impotência. A vida disperdiçando-se em fumaça no quarto.
E os olhos em algum lugar, embaçados e cansados, insistentes em continuar abertos, curiosos cheios de súplica. Quantos minutos mais?, pensava. Se demorasse tanto, poder-se-ia dizer que os olhos se secariam, pálidos e exaustos da luta em simplesmente manter-se. Esperava. Mais dez minutos antes de dormir. Como seria se não tivesse vínculo algum? Com nada, nada, nada, família, amigos, sociedade. Se tivesse apenas o compromisso consigo mesma e o dever de fazer tudo o que surgisse na mente.
Sim, agora eu vejo. Pelo espelho retrovisor de um 173, eu vejo alguém que há tempos eu gostaria de encontrar. Tão séria que eu ficava assim quando distraída. Uma mulher de vinte anos- e era a primeira vez na vida que me via assim: mulher. Madura, parecia, um tanto determinada para os que me olhassem: mochila, bolsa, sacolas de muambas numa sexta-feira às 8h da manhã pegando esse 173 na central até a rodoviária. Viajante arriscada, mulher de pulso. A imagem que se apresenta me agrada. Descanso de olhos fechados o grande fardo dos últimos dias que precederam a esperada viagem, o desgarrar das amarras do dia-a-dia para vinte e quatro horas que existiram e ponto, nesse momento que falo os dias já terminaram e sabe-se lá quando as terei de novo, mas estão guardadas. Guardei-as na gaveta, junto as outras lembranças, e fechei-as com chave para que lá permaneçam. Aos poucos olho no fundo das janelas da alma e enxergo o inxergável. os fracassos, as perdas, as dores. Uma mulher desempregada sem saber o que vai ser em breve - porque já cresceu, já é mulher feita: cabelos, unhas, curvas, o sexo vibrante quando pensava em safadezas. Será que demora mais ainda? Pelo menos serão quatro horas de viagem, eu preciso dormir. Na verdade, eu só preciso de uma chance. O ônibus demora no caminho, maldito motorista que conhece metade das pessoas que ficam nos pontos de ônibus nesse rio de janeiro. E eu ansiosa. Oito e meia quase e abro mais um dos chocolates. Nada parece real, estou cansada porque não durmo há três dias.
Doces são mesmo serotoninérgicos. Nada melhor para a minha ansiedade. Ah, a natureza humana! Não existem inocentes. Somos todos culpados do grande crime de darmos as mãos ao medo e à covardia. Todos animais sem instintos, privados das segundas e terceiras intenções e domados pela tão cruel racionalidade. Eximo-me de pensar agora. Dou-me às idéias dos primitivos. Brindo as minhas vontades! Não sou inocente. Que venha então sobre os ombros o peso de seguir farejando minhas epifanias e catarses de cada dia.
Acredito em tudo e duvido de tudo. Estou no centro da agitação e da neurose; calma, lânguida, andando a passos ora largos, ora miúdos. Absorvendo como real quando acho válido de ser vivido para as minhas pulsações. Vivendo, imune, bem assim lânguida na estrada confiante e desconfiada.
Então as duas foram andar na Av. Paulista, e a outra pensando em casa em ter pelo menos cem reais agora e poder ir pra rodoviária e fodam-se os compromissos todos, ir pra rodoviária, comprar a passagem RJ-SP, como já tinha feito algumas vezes, impulsiva e insone, sempre as decisões tomadas depois de prontas, tudo acontecendo atrasado e adiantado e cronologicamente perturbado, diremos assim, então a outra iria pra SP com os seus únicos cem reais e pegaria um metrô naquele frio, ela nem teria levado tantos casacos assim, uma única mochila, duas calças e duas blusas, a máquina fotográfica, uns papéis, um pen drive com os seus escritos. E agora o frio, e a busca pela rua, que rua que é mesmo? Pega o metrô na cidade fria e de pessoas bonitas, gostava assim quando fazia frio no fim da tarde, quase noite que já era, e chegara então na Av. Paulista também, porra caralho impulsividade! pensava, mas estava com um sorriso no rosto, de orelha a orelha, caminhava cada vez mais rápido porque sabia que em breve chegaria ao tal bar onde encontraria as duas que também andavam pela Av. Paulista. Daí a outra vem caminhando assim rápida, enquanto as outras duas sentadas agora, garrafas de cerveja pela mesa, cinzeiros cheios, as ruas cheias também porque era feriado, as duas de calça jeans, cabelo bonitinho, arrumado, as duas lindas ali, as duas de sorriso aberto olhando a menina que chegava desajeitada de um calor do Rio de Janeiro, que mesmo no inverno parece verão, gente, eu vim, eu vim aqui beber com vocês, eu só precisava de cem reais e eu achei os cem reais e eu to aqui, caralho, eu to aqui. E as três lindas a noite inteira bebadas de serem, tão, tão, tão, e não é que a vida é realmente um absurdo? Eu tinha um aniversário pra ir hoje, uma diria, e a minha vida anda uma merda, e a minha vida anda uma merda, e a minha vida anda uma merda, todas as três diriam. Mas foda-se, agora é o momento. Foda-se se tudo anda uma merda, se falta o dinheiro, se parece que ninguém enxerga o valor natural das coisas e dos rumos, o que importa é o que fazemos aqui nesse frio de são paulo tentando encontrar alguma razão, tentando expressar o que somos, tentando, juntas, achar alguma fonte de sobrevivência entre o caos que se instala em volta de nós, tentando escrever ao menos algumas entre-linhas que nos salvem no final de uma história.
E isso é tudo. Há três dias eu não durmo e há três dias eu não saio de casa só maquinando uma saída.

7 de julho de 2009

Agora faz calor como há dois meses atrás, embora seja definitivamente inverno - sinto isso a noite quando não ligo os ventiladores da casa e tudo fica silencioso e ouço os tic tacs do relógio que me atormentam. (por ser inverno, por ser frio e solitário.)
Mas agora faz calor, estou sentada no banco de uma praça que parece aquela praça onde, pela primeira vez, eu disse que seria melhor nos separarmos. Você deve ter achado uma loucura tudo aquilo porque estávamos ainda nos conhecendo e tínhamos tanto pela frente, já começávamos a sentir doer a falta quando a ausência se prolongava, e eu louca querendo um ponto final. É que eu sabia que seria assim. Me conheço demais, esse é um dos meus dons. Eu sabia que se passariam dois meses e eu estaria perdidamente apaxonada. (eu só queria me proteger) Completamente, sabe como? acreditando em tudo o que fosse fruto de nós.
Eu sabia desde a primeira vez. Eu sei quando alguém é o escolhido pelos meus sentidos. A explicação eu não descobri, mas não procuro também. Não preciso de explicações porque sei ser. Mas os estímulos eu os capto e os decifro: era você. Porque criar laços, para mim, sempre tantas asas, era mesmo uma questão complicada. Sem contar também que acho um desrespeito imenso com as outras almas que se conectaram a mim, que souberam preencher o vazio. Sou fiel a elas por terem me dado estímulo, sangue, vida, dor e completude. Mas lhe digo agora que descobri que o vazio ainda existe - descobri que sempre existirá, sempre haverá fome. Aprendi também que é possível a criação de um outro plano, mais colorido e destacado, onde todas as frestas e cantos se apresentam luminosas e úteis. Existe ainda chocolate quente para o inverno nesse plano.
Era você e eu tinha medo que não fosse eu e então eu resolvi dizer para nos mantermos afastadas. Cortar os laços antes que se formassem os nós. Chorei porque já doía saber que não te cheiraria os cabelos, não te envolveria as costas ou beijaria a boca doce e desenhada. Você chorou. Não perguntei porque, deixei que o sentimento nos envolvesse ao máximo até que você gritaria, se esperneando, diria que me queria contigo ainda, que sem mim tudo estaria perdido, já que eu construí um eu seu durante esse pequeno tempo. Afinal, me reconstrui tantas vezes... Nasci diferente pra você ali, naquela praça que parece essa praça, parece que foi ontem... nasci diferente ali e me renasço todos os dias: me recrio, adaptando as formas e os contornos.
Expulsando as lágrimas e encostando o rosto no teu rosto molhado e aquelas suas lágrimas, de que seriam? imaginei que eram produzidas pela impossibilidade de ação, você se sentia parada, sem ter o que dizer, num espanto subito de tristezas e dúvidas. "Não tinha o que fazer", era a frase que poderia definir você visto pelos olhos de outros. Que culpa você tinha se minha fome nunca era saciada? E eu chorando abandonando as idéias ateístas e ceticistas e pedindo Oh Deus, Oh Deus, onde estás que não respondes? ou mandas essa menina agora gritar-me que me quer entre os braços ou terás sempre mais uma ovelha negra em teu rebanho.
-Vamos tentar mais um pouco? Sei lá, talvez o tempo..., você disse.
Só aceitei porque já era paixão, porque já eram nós
e eu, felizmente, sigo os meus instintos.