27 de abril de 2010


Que me dizes, ein? Topas? Junta teus trapos com o meu? Posso agora nomear-te minha senhora? é que me dói em dois minutos o coração após tua partida. Hein? Combinados, então?
E ele todo cauteloso, preocupado. Ela distraída, talvez um pouco cansada. Mas não escondia nos olhos dissimulados que estava feliz. Ele meio nervoso ainda, talvez a temperatura um pouco alta, quase febre; podia sentir o pescoço ferver e as mãos quase em fogo, talvez fosse um suor quente que o corpo fabricava para afastar o frio.
Roberto era o nome dele, que sou eu, e Bela era como eu a chamava, embora atendesse por Maria do Carmo, seu nome de batismo.
Minha bela, assim combinamos que seria. Não é que eu não gostasse de Marias, mas ela merecia um nome como Bela.
E o convite foi feito porque ela me afastava dos maus pensamentos. Os abraços e o nariz afundado no cangote. Os ombros como areia onde enterrávamos os focinhos e ficávamos por horas, as patinhas passando pelas costas alheias, que eram quase um corpo só, nós dois ali nos abraçando, minha respiração meio ofegante porque eram tantos pensamentos bons que eu só fazia correr para alcançá-los. Um cachorrinho que eu era, com a língua pra fora pedindo carinho. Mas eu não tinha vergonha porque ela também tinha lá umas loucuras desse tipo. E quando tirava a roupa e ficava toda coberta pelos lençóis caríssimos que eu comprava pensando exatamente nisso, no leve tecido na pele macia da Bela, e ficava encolhidinha escondendo aquelas formas todas de mulher. Eu queria só isso, que ela me abraçasse e ficasse ali comigo deitada na minha cama. Pelada e encolhidinha para sempre, a minha fêmea. E quando isso acontecia, vinham os abraços porque eu sempre tive braços para esquentá-la, sempre pesei o corpo sobre o dela para que entendesse que eu a protegia e que nada de mal lhe poderia acontecer. Topas, Bela?
Ela feliz, mas livre. Juntar os trapos... mas minhas coisas nem são trapos. E nem as suas, meu bem, não fale assim, ela dizia. Desconversava, e eu insistindo e os nossos olhos chorosos porque é assim que se descobre, em conversas bobas e perguntas bobas, é assim que se descobre que é bom como está, que ainda o coração vai doer a cada vez que ela for embora. Talvez nessas viagens ela nunca mais volte e eu passe a comprar lençóis baratos.
Choramos. Nunca mais falamos disso até hoje.
Ela ainda vem, disperdiça seu tempo na minha cama nova, prepara o café e fica, cara, fica pelada encolhidinha, agora deixando os seios à mostra. Não sei se é porque a intimidade nos despe dos pudores ou porque quer que eu saiba que está aberta para mim, como se os seios fossem o coração, sabe como? Como se deixasse transparecer que eu posso aquece-la sempre que fizer frio.
Topas, Bela? dividir comigo tua solidão?
-Não.
E Roberto nunca mais levou ninguém em casa. Roberto não sai de casa. Roberto nem tem mais casa porque não pode se chamar de casa aquilo onde ele vive. Casa, Bela? Faz do Roberto também um homem livre.

14 de abril de 2010

"Os dedos se moviam como se roçassem e coçassem uns aos outros, autônomos e auto-suficientes num movimento que, quando em ápice, deixava no ar o desespera de que nunca se findariam. As pernas se cruzavam quase ininterruptamente e os pés agitados balançavam-se em círculos também infindos; bebericava ansiosa para que a cafeína fizesse efeito e acordasse e começasse a pensar não mais com imagens turvas e sim, repetia agora para si mesma - em voz baixa para que os passantes não desconfiassem -, claramente. Tinha de pensar claramente antes que tudo virasse sombra e contornos embaçados."