24 de julho de 2009

E eu, que de princesa tenho só os sonhos

Insistiam nisso, todos os meus parentes, em perguntinhas feitas com más intenções: e o namorado, quando vem? vovó começava, sempre falando em bisnetos. pois é, já está uma mocinha, tia valéria completava, geralmente quando nos reuníamos as mulheres na cozinha de azulejos azuis, isso quando eu ainda não passava de uma menina de quatorze, quinze anos.Eu nunca quis que ele viesse, sem saber ainda as feições, mas como havia de ser: forte e destemido, num lindo cavalo branco. Nunca tive essas pretensões, esses desejos. Tantas o queriam e eu simplesmente dava de ombros. Que chegue pra vocês isso, se existir. Esperem. Eu, que de princesa tinha só os sonhos, acostumei-me em pentear os cabelos em frente a penteadeira, que ficava ao lado da janela.
Ouvi os pássaros.
Todas as noites, enquanto tirava as presilhas que prendiam o cabelo num coque alto e robusto, eles vinham. De início, não me dei conta. Uns cinco ou seis dias depois, como que acostumada inconscientemente, olhei os bonitos passarinhos verdes que ficavam indo e vindo, da árvore à janela. Vinham com pequenos piados, até que faziam música dessas que imploram e pedem
clementes por respostas, foi aí que o reconheci, o canto dos pássaros.
Também me alimento do que falam-me as flores.
Essa descoberta não foi um reconhecimento demorado como o dos pássaros - lembrando sempre quão relativo e ilusório é esse Senhor Tempo-, foi como algo imediato, que eu já premeditasse por tempos a fio sem me dar conta de que poderia um dia colocar em prática. No jardim, pela tarde, sempre havia pessoas numa incrível Ode ao Belo. Eu, no cantinho, olhando também - no meu incrível ode ao belo, mas eu era diferente. Numa manhã, em nosso primeiro encontro à sós, fui confiante de que teria, sim, bons resultados, visto que sempre me olhavam cheirosas e sedutoras. Então apresentei-me, e logo a coragem esvaia e o bochecha rosada e a cabeça baixa, como se pedisse desculpas pela ousadia, até que elas me interromperam. Veja: As rosas falaram-me coisas doces e, como o sol tocava levemente as pétalas e um vento frio percorria, eram palavras doces em fagulhas que se congelavam; eram coisas muito profundas, os segredos das rosas.
Acostumei-me a natureza, sou íntima da madrugada e posso ficar dias e dias matutando uma idéia: quando ela virá? Decifro o canto dos pássaros, as rosas me contam segredos, a lua, geralmente quando crescente ou cheia, sauda-me na janela com um luminoso raio que enfeita o quarto lilás com o prateado dançante. Que mais tenho eu de fazer para que ela venha? Que ela venha assim, de cabelos soltos, sem cavalos, sem brancura. que ela venha terna com os sorriso que só as princesas sabem ter. E eu aqui, que de princesa tenho só os sonhos e os pássaros e as flores e a lua.

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