16 de agosto de 2010

Faz frio.          
Como quase todos os meus antigos vizinhos cariocas em dias de inverno, o primeiro comentário que teço às pessoas que convivo ou vejo se referem ao tempo e a temperatura. 
Estou sozinha, portanto falo comigo:          
- faz frio. Minhas mãos estão geladas, mas não tenho luvas. Aqui onde moro, nem guarda-chuva costumo levar, quem dirá luvas, cachecóis, casacos de pele...       
  Concluindo: Não só faz frio, como também não estou agasalhada o suficiente, então sinto mais frio do que os outros que caminham confortáveis postos em suas jaquetas revestidas de lã. Há a ameaça das nuvens se dissiparem e começar o espetáculo do grande astro amarelo. Mas por enquanto ainda não o vejo. Estou em Veneza enquanto caminho pela Avenida Rio Branco. Caminho a pé e sem destino tentando conhecer lentamente o grande barco. Hoje pago mais por uma rosa do que por uma entrada no Theatro Municipal todo dourado. O que é o ouro , afinal? Ainda pago mais por uma rosa, especialmente hoje, que chove fino nas margens do rio que não deságua. Uma rosa cor de sinceridade e calmaria. Quem sabe um buquê.          
- Rio que não deságua transborda           
    Continua chovendo na cidade. Saio de Veneza e do barco e do rio (- para onde vai?) rapidamente quando vejo os Arcos. Os Arcos estão mais brancos, não estão? Até quando? Esses dias um mendigo limpou a merda do seu cão e só duas almas enxergaram - almas poucas e brandas. Até quando? Quantas mais? E querem limpar a nossa sujeira.
 - Também não sei onde está o rio que não deságua. Se transbordar, enxergo. 
     Eu tenho medo é das correntes. Ou não. Não sei se tenho medo. De resto, tento não pensar por onde fluiu e quais as energias que carrega. Não tenho fé, mas ainda cultuo os instantes. Águas sem antecedentes, sem rumos, sem fins, sem um mar sequer onde mesclar as gotas. E faz frio. Por enquanto, nada do Sol para fazer evaporar as gotas.
Estou segura. 
Estamos seguros. 
Vejo os Arcos e os arcos estão claros. O céu está de um mármore leitoso. Veneza não se foi, mas não existe mais em matéria croncreta. Terá existido um dia exibida ao meu olhar curioso? 
Não, não há rio algum por onde se pode navegar, o rio é dentro. O dia poeira e poucas pessoas. Piso o chão e desconfio. Toco o chão. Tenho certeza. Toco o tapete branco. Existimos calmos como o rio adentro, quente como os asfaltos do nosso rio, mesmo não sendo Veneza, 
- e não é que isso acalma, quando fica frio?