18 de fevereiro de 2010

Faço de conta que conto histórias,
que conto os dias
(embora eu não esteja menos que desnorteada ou mesmo perdida),
que cato e
conto borboletas que voam e voltam por sob as cores diversas das flores de dezembro.

16 de fevereiro de 2010

Para Giul Jr e nossas viagens


Sim, foi o que dissemos na última viagem: somos caixas de pandora e nossos segredos devastariam as civilizações. bombas atômicas? epidemias? meteoros? sempre cabem demônios e os piores pesadelos do mundo no fundo falso da aparente silenciosa carcaça. Vejo isso agora pelo espelho, tentando enxergar guela adentro alguma coisa que esteja prestes a sair, a boca arreganhada como se uma mordaça estivesse prestes a puxa-la por completo - talvez seja por isso a tosse constante e os pigarros sempre pela manhã. quantos gritos escondidos ou colados mesmo a madeira? ao cristal? ao gesso? de que são feitas nossas paredes? quantos gritos abafados por costuras e pontos de lã para que ficasse quente por dentro e a voz virasse água e fosse mandada embora pela pele como suor. Toda aquela pele molhada é como um corpo amordaçado tentando dizer alguma coisa, você não vê? Estamos amordaçados embora nossos lábios ainda se movam. Estamos no silencio ainda que dentro esteja um alvoroço quase carnavalesco. Ah, essas revoluções...lembro que passeávamos pelas ruas recém descobertas e perto daquela praça onde não paramos e daquele bar onde não bebemos, havia uma construção e algo parecido com uma caixa gigante, foi o que falamos, você lembra? Exatamente assim: uma caixa gigante de madeira. Somos tão sonhadores. E você disse que era como aquela caixa e disso nunca esqueço. Não estávamos sozinhos nesse dia, havia mais duas pessoas com os pés calmos duvidosos e quando você disse sou essa caixa e eu olhei e sorri e pensei que sou quase isso mesmo, ninguém nos entendeu, meu amor. Você percebeu isso? Quase ninguém nos entende. Você seguiu dizendo que, quando se abrisse (e não sabia por qual motivo se abriria e nem com o quê seria feita essa abertura), seria como uma explosão. Porque você é fogo, eu pensei, orgulhosa. E eu disse que a minha caixa tinha um buraco já, que eu estava vazando pela parede ou pelos poros aos poucos e que depois fluiria todo o resto e os mistérios se revelariam. Porque sou ar, meu pequeno. E não importando o elemento, somos vivos e temos muito o que mostrar por aí. Segredos quase ininteligíveis, meu amor., e temos que arcar com todas as consequências de se viver a flor da pele e a mercê dos sentidos. Você vê? Você sente isso?

9 de fevereiro de 2010

Diz no jornal que amanhã vai chover a tarde. Talvez eu aguente essa chuva, eu penso, agora meio sem querer pensar em nada, só em voltar ao momento exato em que entrei em casa hoje e desistir de tudo o que fiz ou de nada que fiz para dormir um pouco; talvez ela me limpe mesmo, afaste essa loucura, esse desespero, essa insônia.
Talvez a chuva me acalme amanhã, que é hoje, talvez se alguém estiver me ouvindo eu possa ficar mais calma também, companhias sempre acalmam e afastam os medos, ainda que em silêncio, talvez eu tome um leite quente e consiga alguns minutos com os meus olhos fechados. Pobres olhos intensos que querem devorar tudo o que vêem, pobres olhos famintos que não descansam há horas. Pobre de mim, que ainda não juntei os quebra-cabeças da minha mente e já é tarde, ou cedo?, e eu preciso me retirar desse quarto que me prende de olhos abertos. Preciso me retirar de mim ante que o dia comece sempre corrido.
Já estou atrasada. O café, os cigarros, as duas aplicações de corretivo embaixo dos olhos e estou pronta. As pálpebras pesarão por horas e infelizmente um dia de calor. Pancadas de chuva ao entardecer, eu li no jornal. Talvez eu aguente, então. Quero que chova, quero sentir as roupas como fardos nos ombros fatigados e chegar aqui outra vez, amanhã ou hoje quando voltar a anoitecer, e aí sim, me retirar e poder dormir um pouco. Afinal, loucos, desesperados e insones também precisam de sonhos.

(Escritos de Março)

1 de fevereiro de 2010

No fim, o sol sobre o vidro da janela do ônibus deixando visível a poeira acumulada dos dias. Só isso era visto com total nitidez: leves borrões feito camada cinza intercalada no vidro quando o sol vinha impedoso depois das tempestades- porque era preciso que tudo secasse senão nos desesperaríamos, úmidos e gelados com os trapos como vestimenta e ombros vergados. Nos pneus, imagino, muita lama, assim como no couro do tênis do rapaz a frente e do meu também. Estamos todos enlameados com roupas molhadas de suor e chuva. A gola da minha blusa tem lágrima, mas ninguém percebe - se misturam salgadas, quase imperceptíveis, deixando apenas pequenas manchas esbranquiçadas, posso dizer quiçá como o vidro e sua poeira, eu e minhas lágrimas formando manchas na blusa desbotada. Eu? Talvez sim, ando sempre nervosa em ruas que não conheço. Não digo medo, digo nervosismo. Não tenho intimidade nenhuma com os becos, os homens, as cores - ando nervosa pé ante pé verificando os perigos e gravando as memórias. Nessa cidade, o pôr-do-sol é mais bonito, me disseram, e comprovei no primeiro dia, meus olhos estavam ainda brilhantes da descoberta. Mas depois, todos esses dias isso: o trem na ida, depois um ônibus, depois as moscas a perturbar-me o almoço, flashes de cenas inesquecíveis (e quanto mais só me sinto, mais flashes se apoderam dos meus vastos pensamentos), a espera longa da próxima condução visto que sempre me atraso, e aí aquilo tudo: o ônibus e depois o trem e depois vinte ou trinta minutos caminhando por essas ruas limpas (não tenho intimidade com ruas limpas: não as reconheço; minhas estradas, os atalhos, os cantos e os bares são sujos, sujos e me acostumei a isso, hoje em dia nem faço estardalhaço se jogam bitucas de cigarro e papéis de picolé pelo chão. Penso apenas que estamos todos perdidos, bem como sujos, molhados e cheios de lama)
Agora é o trem e quase não sinto solavancos. Nesse último banco, alguma coisa jogada com os olhos fechados. As mãos agora tateiam o rosto. Reconhecendo os traços?, nem os traços mais reconheço, embora consiga lembrar desse toque leve de ponta de dedos. Eu? Seja lá o que isso signifique, parece que sou eu que me toco e sou eu essa jogada no banco do trem com os ombros vergados a reparar a camada de poeira em todas as janelas