11 de agosto de 2009

E então enfrentamos agosto.

- Me acorda, me acorda. Não me deixa dormir.
Sempre era assim. Eu odiava aquele tempo quando fazia calor daquela forma. Mentira. Eu amava aquele tempo quando fazia calor daquela forma quando estávamos juntas. Amava todos os tempos. Era inverno e por diversos dias tínhamos a certeza de que era verão, de que era outono (geralmente quando víamos o por do sol), de que era primavera (porque ouvíamos tantos sobre as flores), mas era inverno por mais que não parecesse. Eu odiava é quando tinha que enfrentar sozinha todos aqueles graus invadindo pela janela. Porque é que eu não pensei nisso quando me mudei pra cá? O sol nasce bem em cima, as horas vão passando e o todo poderoso invadindo o quarto, nos acordando por volta de meio dia, depois o suor, o cabelo molhado grudando na testa, o ventilador que nunca cumpre a obrigação. E nós duas ali como num deserto deitadas coladas e grudadas num calor do caralho em cima de um colchão mal coberto e quente. As costas doíam, você dizia para que eu não te deixasse dormir mais, que já eram quase duas, que ainda íamos a praia ou assistir o por do sol no Arpoador. Depois um café gelado, depois uma festa junina, depois um; e eu te dava beijinhos no rosto e assoprava sua nuca e suas costas e te deitava de lado e fazia um carinho leve pensando na porra na merda na puta que pariu daquele calor que deixava a minha menina ali toda quentinha, e que eu odiava sentir o meu corpo queimando assim, e você dizendo sonolenta que adorava quando fazia calor daquela forma, e que tava tudo lindo, que hoje era domingo, que. E dormia de novo toda toda toda. Deixando que eu enxergasse lá no fundo, sabe? Isso, lá na fundo. Talvez a palavra certa seja entregue. Você estava ali, entregue no colchão já moldado pelos corpos, e era um colchão de solteiro, um colchão de solteiro porque eu nunca tive dinheiro para aquelas camas de casal com molas e big size. Eu nunca tive espaço também, mas isso não importava porque você estava ali toda, como eu disse mesmo? Entregue; você estava ali toda entregue dormindo e acordando pedindo para que eu te mantivesse acordada, depois chegou a me dizer que era pra ter jogado água fria em você para que começássemos a nos arrumar porque em breve ficaria tarde demais e teríamos que voltar e acabaria o domingo, depois iria me confessar também alguma coisa sobre como as horas passam, você disse enquanto estávamos no ônibus, disse alguma coisa como: eu não vejo as horas quando eu estou com você. E depois, quando deitadas fora do calor, porque era calor naquele inverno somente na minha casa, e quando estávamos no seu quarto era mesmo friozinho, também deitadas num colchão no chão, mas dessa vez de casal, o que poderia nos deixar mais esparramadas e confortáveis, mas nunca dormíamos assim separadas esparramadas e confortáveis, sempre preferíamos nos abraçar assim tentando encaixar direito cada parte do corpo com a outra parte do corpo da outra, quero você dentro de mim, quero você dentro de mim, e eu te diria sorrindo que te amo,que te amo,que te amo. Falaríamos depois sobre imóveis e eu diria: então ta. Teremos uma fazenda com dez cachorros fora de casa, talvez uma tartaruga, um plantão medico 24h, uma maquina de capuccino pra eu te acordar de manha, dizia isso enquanto pensava: talvez não seja assim, talvez tenhamos um apartamentinho, quem sabe? Mas teremos. Teremos e é o que importa.
Mas era domingo, quase três, e eu queria assistir uma peça que tínhamos assistido na semana passada, porque porque porque sei lá, sabíamos alguma coisa em relação aquela peça, mas agora é você, eu tinha vontade de dizer mas não dizia nada, porque não precisava dizer nada, porque meus olhos olhavam você agora, porque era você quem estava ali naquele colchão, porque eu queria ir pra sua casa e passar a madrugada de domingo e o domingo poderia ser a segunda, e depois aquela semana toda de esperas, e você me disse para não irmos, que você não queria ir. Não estou com a mínima vontade de ir. Mínima, você disse. Abaixou os olhos assim, a cabeça, sentada encostando na parede. Eu disse: então não vamos. Será que da tempo do por do sol no arpoador? E ainda tinha o almoço, e eu me desculpava dizendo desculpas eu nunca sei o que fazer quando não tem peixe aqui, que mais que vegetariano come? e você sorria assim dizendo que não tinha problema, que tava tudo lindo, que você me amava, que eu te amava, que era domingo.

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