12 de julho de 2009

Ninguém é páreo para as nuvens.

Tento pertencer-me nesse vazio. Já descobri teu entre, o viscoso branco de nossa liberdade, a fluida matéria do abuso nos campos e na entrega dolorosa num confessionário de uma Igreja. Leio a tua fome,
E o meu entre, onde está, se só me permeio? Nunca adentro; sempre beiradas impermeáveis de feto em formação e beiradas impermeáveis de carniça a espera do fim. No meio, no impenetrável entre. Sou, por hora, mais um cigarro enquanto ainda ouço a melodia. Depois o silêncio transitório da obrigação de esquecer-me em sonhos e plumas. Nuvens! Nuvens de poeira e pensamento beirando o excesso ao acordar. Nuvens que não são de algodão-doce. O Sol não queima as nuvens; elas se dissipam quando querem, cúmplices dos ventos, não do Sol, que pensa que é rei - e pode mesmo ser, mas não para as nuvens. Ninguém é páreo para as nuvens. Sinto as horas acumularem dúvidas e dívidas, sinto-me em torno de duas horas da madrugada, sinto o simulacro de invólucro que separa o real da minha ilusão cotidiana. Sinto a fome gulosa que tenho. Estou alimentada, mas não saciada. A pouco acordei assustada, posto que o sono havia sido furtivo numa tentativa de não-ser enquanto ser era exatamente o que era preciso. Desconcertada, me atirei na luta da existência: fiz um café. Pó negro e escuro como que filtrando a água limpa e clara: misturas e gostos e cheiro. Fiz meu café, sou humana - digo a mim, ao espelho, ao ver a fumaça que se apresenta sob a xícara e mais além. Essa fumaça mesmo sou eu, uma breve tentativa. Tento consumir o máximo dos dias e, no entanto, uma breve tentativa de esboço em nuvens. Mas ninguém é páreo para as nuvens.

2 comentários:

Isabela disse...

Que lindo texto, lindo tudo! Como escreves!
Adorei.

beijoo!
Isa (@thecornflakes!)

Ligia Carrasco disse...

"...elas se dissipam quando querem, cúmplices dos ventos..." Lembrou-me de um trecho de um conto que tanto gosto: "...andam por aí e que por aí continuarão, como continuarão as estrelas da noite e as ondas do mar. Então, quando me reconheço neles, eu sou ar aprendendo a saber-me continuando no vento." Pela audácia e intromissão no blog, so sorry, mas é lindo o que escreve. E às vezes acho que a gente se encontra mais na palavra alheia que na nossa. Queria te contar que me encontrei aqui. E muito mesmo.