11 de janeiro de 2010

Eram dois rostos colados e dois corpos estirados, um em cima do outro, numa madrugada de janeiro. Se fosse amor de verão, poderiam manter até certo contato depois. Porque não? Afinal, maduros com certeza eram. Como está tudo por aí? Por aqui anda bem, família, amigos, empregos, alguns lances não não não falo de amor, falo de lances saídas pequenas paquerinhas, nada sério, depois de você... Ou virariam amigos, não sobraria sequer a vontade, o desejo, o tesão. Assim: tim tim por tim tim tudo quitado. Sim, era janeiro e era verão e eles eram dois corpos quentes borbulhantes que se esquentavam mais e mais e mais (porque os dois sempre quiseram muito) e mais um pouco: explodiam, os dois corpos, mas haviam se encontrado e descoberto tanto: um ao lado do outro. O aqui e o aí era o mesmo, não importava que fosse verão e que a cidade estivesse abarrotada de gente, eles eram dois corpos e se interessavam, então bastava.
O menino mais novo, com os olhos fundos e pequenas olheiras assanhadas, não mais assustado como no começo, quando vinha furtivo pelas ruas escuras já quase dez da noite, ruas perigosas o mais velho dizia, e digo mais velho não porque ele fosse velho, porque era novo, mas porque tinha alguns anos de estrada e um bocado a mais de sabedoria. O menino mais novo, então, com os olhos fundos e profundos, o corpo que estava sobre o corpo de baixo, modulava as sílabas e os lábios:
- Como uma ponte? Não sei, você... pra mim... esse teu jeito de olhar as coisas. São essas suas visões que me servem de óculos... não, não, não... sabe que às vezes grito não,não,não pra mim? Você está fazendo com que eu me quebre em pedaços e me remonte inteirinho a teu gosto. E eu gosto. Não, não, não, e às vezes puxo uns chumaços de cabelo à noite, bato a cabeça no espelho pra ver se corta alguma coisa, e nada se corta quando tento me auto-sacrificar por acreditar nas tuas palavras de amor e lealdade (Porque nunca tive! Porque nunca tive é que não sei e não acredito, você me perdoa? Você que sabe tanto das coisas). Não consigo me machucar mais, talvez porque você seja a cura. Sei que estou me nutrindo do teu alimento, que é a tua verdade - a verdade dita aqui como alma, essência, aura, sabe? no plano espiritual, meio místico mítico talvez até mitologico. Sei que se me tirassem agora os seios que me alimentam, seria quase fim. Chego a pensar que aos poucos eu vou entender que se você não chegasse, eu desmoronaria: eram tantas terras e pós e valas e chuvas e desabamentos- um dia desmoronaria tudo e eu embaixo das terras chovendo uma chuva fina para molhar o corpo já sem vida. Penso, sim, nas forças dos Deuses, não me ache infantil dizendo issso, eles encaminham dois corpos como os nossos, feridos ferinos ferozes, para as mesmas ruas e ali se dá a ruptura. Sim, rompi com o universo quando os Deuses te colocaram te coloriram e te musicaram pra mim. Eu romperia com tudo,
contudo estamos todos entrelaçados demais, essa juventude, esse mundo, essas idéias e todos os interesses, não há como romper assim com todas as forças - porque seríamos tidos como loucos. E se isso for a total sanidade? Esse amor que você dizia enquanto em mim era ainda semente, esse amor lança fina que veio certeiro e não machucou, apenas leves pontadas quase cócegas, depois de tocar no fundo. A única coisa que sei é que você é a ponte,
E que em me perderia sem você. E romperia com o mundo com você. E quando cansássemos de nossas feições, porque isso pode acontecer, não há ilusão, só há a realidade posta clara na mesa, as cartas nesse jogo que jogamos a cada vez que abrimos os olhos e enxergamos as imagens ainda embaçadas: é aí que começa, e quando cansássemos de olhar nos olhos um do outro, olharíamos o mundo. Vasculharíamos com os olhos de pessoas que recém recuperaram a visão, estaríamos famintos. Todos os lugares todos os parques e os museus e as ruelas e os bares e os cinemas e os teatros e o inferno eu vasculharia também. Pra depois de novo me afundar nos vestígios teus (que concordamos serem nossos) e procurar novos pêlos novas pintas e descobrir que o cheiro é o mesmo em qualquer milímetro do teu corpo.

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