1 de outubro de 2010

Fui por excesso, volto pelos vazios

       

         É claro que não fui embora por falta de sentimento. Nunca me despedi por falta de amor ou falta de vontade do corpo do outro ou por ficar enjoado com as manias grosseiras: já estou quase nos trinta e sei me adaptar. Dessa vez fui para me encontrar e saber onde você estava aqui dentro. De nada adianta insistir nas cicatrizes quando não sabemos mais aonde estão as marcas. 
          Lembra das dores fortes de cabeça? Além delas, todas as noites ganho também a máxima certeza de que tudo o que vivi desde que fui embora é apenas ilusão, sonhos desses que prendem sem libertar, pesadelo, vertigem, miragem, crueldade de mim para comigo para que eu possa aprender a viver dentro de uma redoma de sentimento. Auto-punição pelos pensamentos que carrego distraído quando caminho.  
           A casa, as ruas, as pessoas e as sensações se apresentam diferenciadas. Parece que não mesclo mais com o meio - Sou eu e pronto, entende? Eu e pronto, entendendo, caminhando, pensativo e mal vestido sem conseguir cruzar ou interagir um pouco mais a fundo.
          Tento recordar com detalhes e seriedade os últimos abraços, os últimos olhares, a inocente pergunta que fizeste e a traição que viria logo mais eu dissesse que preferia a mim do que a nós.
           Daniel, o que posso dizer agora? Sei que agi como animal a procura da dita liberdade de um leão em sua selva selvagem e carnívoro completamente tomado pelo instinto. Te pergunto: Nunca sentiste isso? Essa inquietude e agonia e desespero? Nunca sentiste vontade de jogar tudo para o alto e desistir, simplesmente? Porque, sim, ser corajoso é enfrentar, ser corajoso é dizer que iremos até o final não importa o que aconteça nem quem venha pelo caminho ou as consequências que virão.
         Daniel, e a coragem de dizer 'não quero, prefiro minha solidão', não conta? Ou vê tudo isso como covardia? Ou achas que é fácil dizer para o par de olhos que mais me olharam que eles não vão mais pousar sobre meu corpo nos próximos eternos instantes? E logo esse teu par de olhos... São tantas as perguntas que me faço que não desejo mais respostas. Fui fiel até o último momento e ainda assim me sinto um canalha apenas pelo fato de ter sido sincero comigo - ou ao menos tentado ter um tempo para respirar e pensar com minha própria consciência.
         Há uma semana não durmo como antes. A começar pelo colchão que por tanto tempo abandonado, não se encaixa mais aos meus ombros largos e causam as dores matinais de que tanto reclamo aos amigos do trabalho. Não passo mais o café em casa para não ter que ver apenas uma xícara em cima da mesa. Tenho vontade de ligar e dizer: estou indo, Daniel, estou arrependido, não sei sobre as coisas que falei no último dia daquela semana em que quis desfazer tudo o que tínhamos tecido, mas não vou dizer todas essas coisas. Não estou arrependido de correr atrás de mim, ainda que esteja preguiçoso, cansado e pensando em abandonar-me. O tempo é sabio, deve ser. Tanto ouvi que levei como verdade: o tempo é menino esperto e louco e serve para colocar os ponteirinhos do cérebro e do coração no lugar. Não?    
        Sei que fingi a mim mesmo que coloquei a cabeça nos conformes: cortei as unhas, fiz a barba, aparei o cabelo e saí de casa mesmo não tendo compromissos. Viver de aparências nem é tão difícil assim. O problema é com o espelho, que sabe de tudo. Não sucumbi ao escuro do quarto, a cortina de colcha presa por um prego qualquer na parede e nem as minhas vontades de relembrar tudo o que passamos e vivemos e morremos - porque morremos um pouco sim nesse último ano, não adianta negarmos. Viver é quase um eterno descascar-se. De qualquer forma, consegui não sucumbir aos vícios, que era e devem ser ainda o teu maior medo. Vou me manter são, Daniel, ainda que pela metade e ainda que por enquanto - não sei sobre o futuro sem teus sorrisos.
        Quero dizer apenas que quando afundo a cabeça no travesseiro, o corpo todo por dentro se revira como se gritasse: você sabe que está errando, Maurício. Você sabe que não se encontra assim fácil um outro alguém, você sabe que todos os outros que conheceu nos últimos cinco anos não se comparam nem equiparam nem pode ser colocados em paralelo com o teu Daniel. Deito e só ouço esses pedidos do universo. Pedidos de pensamento e reflexão: está correta, Maurício, sua atitude? Também não sei mais. Percebe em como já está entranhado em meus cômodos e roupas de cama e carma e astral tudo o que foi vivido? E o que virá depois?
        Está doendo, Daniel.
       Sei que não tens mais nada a ver com a minha dor. Saiba apenas que quero ter tudo a ver com a tua alegria.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei... Muito bem escrito o texto!

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Um abraço,
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