1 de fevereiro de 2010

No fim, o sol sobre o vidro da janela do ônibus deixando visível a poeira acumulada dos dias. Só isso era visto com total nitidez: leves borrões feito camada cinza intercalada no vidro quando o sol vinha impedoso depois das tempestades- porque era preciso que tudo secasse senão nos desesperaríamos, úmidos e gelados com os trapos como vestimenta e ombros vergados. Nos pneus, imagino, muita lama, assim como no couro do tênis do rapaz a frente e do meu também. Estamos todos enlameados com roupas molhadas de suor e chuva. A gola da minha blusa tem lágrima, mas ninguém percebe - se misturam salgadas, quase imperceptíveis, deixando apenas pequenas manchas esbranquiçadas, posso dizer quiçá como o vidro e sua poeira, eu e minhas lágrimas formando manchas na blusa desbotada. Eu? Talvez sim, ando sempre nervosa em ruas que não conheço. Não digo medo, digo nervosismo. Não tenho intimidade nenhuma com os becos, os homens, as cores - ando nervosa pé ante pé verificando os perigos e gravando as memórias. Nessa cidade, o pôr-do-sol é mais bonito, me disseram, e comprovei no primeiro dia, meus olhos estavam ainda brilhantes da descoberta. Mas depois, todos esses dias isso: o trem na ida, depois um ônibus, depois as moscas a perturbar-me o almoço, flashes de cenas inesquecíveis (e quanto mais só me sinto, mais flashes se apoderam dos meus vastos pensamentos), a espera longa da próxima condução visto que sempre me atraso, e aí aquilo tudo: o ônibus e depois o trem e depois vinte ou trinta minutos caminhando por essas ruas limpas (não tenho intimidade com ruas limpas: não as reconheço; minhas estradas, os atalhos, os cantos e os bares são sujos, sujos e me acostumei a isso, hoje em dia nem faço estardalhaço se jogam bitucas de cigarro e papéis de picolé pelo chão. Penso apenas que estamos todos perdidos, bem como sujos, molhados e cheios de lama)
Agora é o trem e quase não sinto solavancos. Nesse último banco, alguma coisa jogada com os olhos fechados. As mãos agora tateiam o rosto. Reconhecendo os traços?, nem os traços mais reconheço, embora consiga lembrar desse toque leve de ponta de dedos. Eu? Seja lá o que isso signifique, parece que sou eu que me toco e sou eu essa jogada no banco do trem com os ombros vergados a reparar a camada de poeira em todas as janelas

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