17 de junho de 2009

Antes mesmo que fosse consultar o celular para ver as horas, pensou nela. Tão doce sempre fora, tão sensível. Quis tanto colocá-la no colo tantas vezes. Plantaria todos os dias sementes de carinho, regá-la-ia quantas vezes fossem necessárias, tudo para que crescesse e desse frutos: florescesse a linda flor.
Se perguntava se ela ligaria, se ela lembraria desse dia. Mas uma vez tendo pensado em pensar em alguma coisa pra comemorar esse dia, não era possível que fosse tão falha a memória assim, então poderia perdurar o pensamento, que se transformaria em forma de contato: mandaria lembranças, pensava, mesmo que um quase nada cordial – o que já seria, de fato, para ela, de suma importância porque qualquer contato era sinal de sintonia.
Pensava nessas coisas antes de pegar o celular para ver as horas e se deparar com uma doce mensagem. Para os olhos brilhantes a vida. Às unhas tudo.
E aqueles sorrisos de sempre.
De fato, não se saberia explicar
Assim, em aberto, não se saberia explicar nada, sempre tão sem vírgulas ou pontos finais. Sempre reticências, ecos, duplas interpretações. É que existem coisas que não carecem explicação. Para quê? A cortina mais uma vez quase fechada, apenas um único espaço por onde entra um feixe forte de luz. Luminosidade para um quarto ainda noite. Lê, lê, relê. Decora as frases, pensa nas entonações, nas intenções, em sei lá o quê: pensava nisso, era certo, em como a pessoa poderia tanto invadir assim sua vida, sua casa, seus espaços e seus tempos e dominá-la por períodos indeterminados de reflexão e sorrisos. Absorvida, mas sorria. Não era bom que fosse assim? É engraçado isso. Meu carinho só aumenta quietinho aqui dentro mesmo sem conversas, encontros, convivência. Precisava? Engraçado e bonito. As palavras doces sempre me adoçam. Seus vestidos sempre me enfeitam. Seus ventos acariciam, as flores perfumam: tudo vira tranqüilidade. É engraçado isso, eu só quero que você esteja bem também, sempre
Sem pontos: sempre sempre sempre sempre
Pintou-se com purpurina porque brilhava.
Como se simplesmente saber da existência da outra fosse o que a fizesse sorrir. Saber que vivia, que era, que massageava os cabelos. Não pensava mais nisso tanto quanto no ano que tinha passado. Não poderia nem comparar, era exorbitante a diferença. Nesse tal ano eram rios e rios, as lágrimas, as vodkas, os cafés e o clima pesado liquefeito do apartamento. Uma vez estava escovando os dentes pela manhã. Abriu a torneira da pia e a água saía leve e transparente. Abria um pouco mais e a água agora era força e imposição. Disfarces. Se lembrava dela até por esses cursos corriqueiros da água, do ventilador, de uma luminária. Perdia-se assim fazendo comparações. Mas agora, passado tantos e tantos meses daqueles tempos difíceis, agora o pensamento vinha raro invadir a vida. Sempre tarde quando vinha, anoitecendo. Chegava devagar, como tímido por envergonhar-se em vir, coradas as bochechas, olhar acanhado. Vinha porque tinha que vir e não porque quisesse. Analisando bem, talvez fosse dito que nunca quis chegar, nunca quis se manter presente. Mas vinha porque era assim que seria. Chegava, então, o pensamento: acanhado no começo, até que se sentia confortável; percebia que era bem-vindo, que nunca os portões estavam fechados para ele, que a casa sempre aberta precisava mesmo de um preenchimento, precisava que alguém entrasse arrebatando tudo, que tomasse conta dela. Porque ela precisava que tomassem conta dela, mesmo que fossem pensamentos tortuosos – não é o caso porque desse pensamento que falo os caminhos não são tortos, são círculos entrelaçados a grandes estradas sem fim. Os círculos formam rodovias cruzando a linha infinita da estrada. E daí é que se justificam os desencontros: tantos caminhos...
E assim perdurava por horas: horas essas que ela não vivia senão com a cabeça afundada nos travesseiros já sem cheiro algum – porque não sentia quando as horas eram preenchidas desse jeito. Não sentia cheiros, dores, gostos. A cabeça afundada no travesseiro e o corpo miúdo em formato de concha lembrando a velha posição de dentro do útero. E lá ficava pensando, pensando, pensando: sentindo-se bem insorta naqueles pensamentos diabólicos; Como era possível que uma coisa assim perdurasse? Uma idéia abstrata de engrandecimento de um ser. Como era possível que grudasse a ponto de fazer perdê-la a vida assim chorosa e melancólica? Numa perfeita harmonia dentro dos olhos: as ilusões e alucinações e aquela coisa toda que ela achava da outra. Às vezes vinham lentos e demorados. Outras vezes vinham parecendo que durariam semanas, mas, num súbito, iam embora. Talvez fosse a vida um pouco turbulenta, a necessidade de sair e resolver os problemas, sabe-se-lá, deviam espantar-se. Às vezes, num súbito, iam embora, a menina abria os olhos, enxugava uma tímida lagrimazinha – que não se pode dizer se era saudade, se era tristeza, se era desespero, se era felicidade, se era amor. Enxugava a tímida e costumeira lágrima e seguia a diante, quase imune. Aceitara as imposições e agora lhe bastavam somente injeções não tão rotineiras de lembranças para que ficasse bem. Precisava de mais, se a vida andava em passos consideráveis, se o trabalho andava bem, se até tinha encontrado amores? Precisava? E seguia adiante maquiada para que não reparassem que havia ficado naquele estado por um tempo. Mas dentro dos olhos sempre ficava um vestígio de olhar banhado em mares. Quase imune. Era pensar, esquecer e continuar. A lembrança materializada em mares nos olhos. Imune... quase.

Um comentário:

Anônimo disse...

Uau. Autoria sua? Lindo...