Eu - que cansei de traduzir sensações. Eu que tenho em mim a sinestesia. Agora transbordo, escorro, liquefaço-me. Que sou além do úmido vestígio no travesseiro? Eu que choro doído e doido. Eu gosto quando é o corpo quem responde as perguntas esperançosas dos olhos silenciosos, mas às vezes não fito outros olhos senão os meus - miúdos, castanhos e entristecidos. Me respondo corporalmente: caem os cristais que brotam das grutas amarronzadas e a coluna se curva esforçada.
Porque entristeço? Porque anoiteço e a noite é escuridão. Hoje não existem estrelas no céu. Foram apagadas? Quem, senhoras, teve a ousadia de me privar da beleza das estrelas? Estou sozinha e se sou capaz de me jorrar assim lasciva e decisivamente, digo que o esforço é tão maior quanto o das nuvens pesadas que colorem de negra camada densa a mais bela das telas.
Eu, que tenho febre e estou ardendo e estou doente, te escrevo porque preciso de uma válvula de escape. Uma válvula de escape na ponta dos dedos e me escapo de mim.
Te escrevo porque preciso de ouvidos. O mundo carece de pessoas que tem o dom de ouvir e eu sei que pronunciarás em voz alta todas as minhas palavras fugazes ainda que escritas na tentativa de terem permanência. Te escrevo sem intenções ou objetivos: te escrevo como consequência e não como causa. Eu estrondosa e brilhante no momento da explosão. Como se capta o momento exato em que se supõe explodindo depois de implodir? E como se capta o momento exato em que os destroços luminosos são passionalmente afastados de um centro imaginário? Eu - um centro imaginário de onde se afastam muitos pequenos pedaços brilhantes de mim. Eu que sou fragmentos. Ao menos assumo: sim, sou aos poucos, e te escrevo em doses homeopáticas desordenadas.
4 comentários:
Sincero, ácido e rebuscado. Coitado do motivo que - se não for ligeiro - fica pelas suas belas linhas.
Parabéns. Belas palavras escondes aqui.
Beijos.
arrepieeeii babeee!!! mt clarice lispector! profundo, forte, envolvente.. amei deeemais!!!
Voltei aqui pra ver se foi você mesma que eu vi no 485 hoje. E foi.
Ê, ser lindo. : )
Parece Álvaro de Campos.
Postar um comentário