12 de julho de 2010

 

Não sou homem e não sou mulher. Exatamente por isso, em determinadas épocas não falo nem como. Mordo, animalesco e agressivo. Perto do dia em que nasci, eu danço, toco tambores, reverencio minha mãe grande útero com voz de sereia no corpo que não defino. Não sou um contador de histórias, um narrador, um poeta. Nomeio-me um sem nome substantivo próprio masculino. Porque, quando se vive percebendo os detalhes, deixa-se de agregar e começa-se a fluir. Flui-se com os horários, com os encontros, com as contas, com a predominância do gênero. De resto, nada gruda: deixamos que passe, como esperamos que passe a tosse crônica de noites agoniantes. Nomeio-me masculino porque já não desejo mudar os estigmas. Vivi até agora iludido, ilusionista ferrenho, no lapidar do grande muro-linguagem de tijolos-palavras. O que são as cores? Deslizam moribundas por sob minhas retinas: as capto, mas não são matéria e parecem descoladas das superfícies. Vejo cores como filtros que escondem a verdadeira monocromática das peles que vestem os seres. Disseram-me sobre a dissolução de coisas indissolúveis ao meu entender: o café e o doce, a pele e a pele, o entardecer e a fome. Troco histórias, personagens, vontades. Para alguns, sorrir é encontrar o caminho. Perco o foco quando sorrio, mesmo com os olhos negros luzes. Aliás, pergunto-me: como escrever em segundos em retinas o endereço para onde devem ir os sorrisos? Os sorrisos têm é vida própria, como os olhares.

Um comentário:

Luna disse...

Lindo esse parágrafo.